Crítica: Aquaman 2



Aquaman 2: O Reino Perdido (2023) pode ser visto como aquele amigo do Ensino Médio que frequentemente "mata" aula e, quando decide ir, chega atrasado para a primeira matéria. É aquele que pede emprestada a sua lição de casa para "copiar diferente", e que frequentemente é chamado à diretoria. Esta seria uma descrição não para o que o filme é enquanto narrativa, mas para a toda a aura de falta de comprometimento em que é envolto.

Iniciando com um didatismo maior do que o de um Jardim da Infância, em uma narração em off de que, como em todo o restante, Jason Momoa parece não conseguir dar conta; o longa parte de todos os pressupostos de que está tudo perfeito na vida do protagonista (à exceção de noites mal dormidas na paternidade). A oportunidade nesse cenário inicial seria trazer a personagem de Nicole Kidman (Atlanna) para perto, já que Amber Heard (Mera) - apesar de muito aparecer - deve ter tido razoável número de cortes, sempre que possível. No entanto, a rainha, que já não teve tempo de tela para ser desenvolvida no filme anterior (mas com razão), permanece não trabalhada, fazendo com que um dos maiores nomes de talento do elenco seja desperdiçado.

Outros nomes, como Yahya Abdul-Mateen II (Arraia Negra), Randall Park (Dr. Shin) e Dolph Lundgren (Nereus) fazem o que é possível com seus respectivos tempos de ela, com maior destaque para os dois últimos; sendo o problema do primeiro a escolha narrativa da vingança combinada com celeridade à "possessão" por um espírito do mal - o que prontamente limitou o trabalho do ator, uma vez que o filme não opta por fazer escolhas que foquem com miníma ousadia no que poderia vir de um vilão possuído.

Jason Momoa poucas vezes chamou a atenção em suas atuações, sendo a mais lembrada uma que envolvia uma postura mais "marrenta". Dito isto, no primeiro longa a sua canastrice incomodava menos, por ser a primeira vez (em Liga da Justiça de 2017 e 2021 prevaleceu a marra) ou por se dar em menor excesso. Na continuação, porém, não encontrou nenhum limite. Pelo contrário, pareceu incentivado pelo diretor James Wan, que parece haver se libertado de qualquer compromisso em entregar algo minimamente memorável, ou que fizesse qualquer coisa pelo gênero dos super-heróis, ou simplesmente de ação ou aventura.

A situação do protagonista, no entanto, é muito dificultada pela escolha narrativa de resolver toda a vida do personagem de um filme para outro, sem cogitar trazer qualquer consequência no decorrer do longa. É muito comum em projetos que se fecham em si mesmos e que, após o sucesso, ganham continuações; desfazer algumas vitórias ou acrescentar novos desafios. Em O Retorno da Múmia (2001), o casal composto por Rick e Evelyn vivia um casamento feliz, em uma vida financeira invejável. No entanto, possuem um filho jovem que se envolve em vários problemas. No terceiro longa, Tumba do Imperador Dragão (2008), o mesmo filho, já adulto, não se dá bem com o pai. Dadas essas escolhas, em nenhum momento o casamento deles precisou entrar em risco. Quando não há a opção de introduzir um elemento externo, porém, acaba sendo inevitável (mesmo que, sim, clichê) balançar o relacionamento de ambos, como em Homem-Aranha 3 (2007) e O Espetacular Homem-Aranha 2 (2014). Note-se que não são sequer filmes bem recebidos por crítica e/ou público, mas cujos elementos supracitados funcionam. Em Aquaman 2 Arthur vive um casamento feliz, é pai de um bebê com o qual não teria motivos para desenvolver problemas de relacionamento, possui mãe e pai (Temuera Morrison) amorosos e vivos, e não possui nenhum problema relevante em seu reinado. Há, sim, amostras de discordâncias nos conselhos reunidos, mas em nenhum momento o público sente que Arthur pode ser deposto ou que um golpe pode estar em andamento. Em outras palavras, tanto as escolhas do ator quanto o texto a ele oferecido nos entregam um personagem categoricamente bidimensional e desinteressante.

Quem ganha o posto de personagem interessante é Orm, interpretado pelo ótimo Patrick Wilson - que em vários momentos prova de todas as formas que teria sido um Aquaman muito melhor, até porque aparece tanto com o visual clássico (em termos de corte de cabelo) quanto com o visual de Peter David, com cabelo e barba longos. O personagem é, sim, desperdiçado, como todo o restante do elenco, mas possui dois fatores a seu favor: tempo de tela e um arco de personagem com o qual o público pode se identificar. Todos adoram um bom vilão, mas também adoram quando ele tem a chance de mostrar o seu lado bom; sendo Loki o maior expoente desse fenômeno. As escolhas tanto do ator quanto do texto para os trejeitos do personagem também vêm ao encontro disso, no que muitos chamam de "posturado e calmo", algo que não funcionaria tão bem se interpretado por alguém menos talentoso.

O visual do filme é uma repetição do primeiro, tanto nas sequências oceânicas quanto nas de terra firme (há uma cena desértica muito semelhante à do primeiro longa), e o CGI apresenta a sua dose de problemas; mas isso pode ser defendido pelo fato de literalmente tudo nas cenas aquáticas exigir computação gráfica (até cabelos e barbas, talvez os piores elementos disso), além da saturação geral dos profissionais da área, em um mercado abusivo. Talvez há mais de uma década fosse muito mais significativo assistir a uma obra recheada de ação subaquática do começo ao fim, mas hoje em dia estamos muito difíceis de sermos impressionados; o que torna a ação do filme simplesmente chata. Um exemplo de sucesso, em termos visuais (não de narrativa) seria Avatar 2 (2022), que opta por um tom muito mais contemplativo.

Outra constatação de que estamos mais difíceis de sermos impressionados está na recepção às referências à cultura pop. Em diversas vezes o filme tenta arrancar risos com referências, e talvez isso tenha funcionado muito bem nos últimos dez anos, mas não mais. A solução para isso, como para todo o resto, é buscar formas mais ousadas ou criativas para inseri-las, como a citação inesperada do snydercut de Liga da Justiça em Barbie (2023).

O maior mérito do longa, talvez, e em função de seu atraso, é o timing em relação ao contexto mundial. O filme aborda em peso a questão do efeito estufa e, acredite, Aquaman salva o mundo do aquecimento global. O ano de 2023 apresentou recordes de temperaturas no Brasil (também em função do El Niño), e muitos já têm feito piadas com o fim do mundo. Talvez dialogar de forma tão concomitante com isso seja a maior contribuição de Aquaman 2.

Por Lucas Giesteira Unger

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