Crítica: Love and Thunder


“Entretanto, nada tão estranho quanto o dia em que dois visitantes de Asgard, Loki e Thor, chegaram à fazenda em uma carruagem puxada por duas cabras enormes, que Thor nomeara Rosnador e Rangedor. Os deuses solicitaram comida e hospedagem, e eram enormes e poderosos”. – Neil Gaiman, Mitologia Nórdica (2018, p. 151, tradução de Edmundo Barreiros).

Como os anfitriões responderam não possuir a quantidade e tipo adequados de comida, “Thor resmungou. Sacando a faca, ele matou as duas cabras. Depois esfolou os cadáveres”. Para quem lê assim, desconhecendo a história em si, pode chocar-se; mas o fato é que, se os ossos permanecessem intactos (devolvidos à pele de cada uma) e apenas a carne fosse devorada, Thor conseguia sempre ressuscitá-las inteiras. Nessa história um dos membros seguiu um conselho maldoso de Loki, e quebrou um dos ossos. Quando Thor as ressuscitou, Rangedor voltou mancando e sentindo dor. Os seus nomes originais em nórdico antigo são Tanngrisnir e Tanngnjóstr, ou, no inglês contemporâneo e nas HQs originais, Toothgnasher e Toothgrinder.

Não gosto de separar as minhas análises de filmes de super-herói de suas contrapartes dos quadrinhos, ainda quando se trata do personagem cujas histórias mais li e que mais conheço. Portanto, tomarei o papel do tio Korg, aqui; e já informo tratar-se de uma crítica com spoilers. No entanto, as referências e comparações limitar-se-ão aos quadrinhos; e a minha despedida à mitologia dar-se-á constatando que o grande adversário do respectivo capítulo, cujas três primeiras páginas descrevi em partes, é Utgardaloki, que Walter Simonson utilizou em peso nas quatro edições de Balder, o Bravo (1985). Para quem não sabe, Balder é o irmão mitológico de Thor. Na época, apenas melhor amigo dele nas HQs, mas (re)transformado em irmão por Joseph Michael Straczynski na segunda metade da primeira década deste século.


Todas essas pontas amarradas são para dizer que, basicamente unanimamente, Walter Simonson foi considerado por décadas como o melhor escritor (e desenhista!) a passar pelos quadrinhos do Deus do Trovão. Ele, grande admirador da mitologia desde cedo, foi o primeiro a introduzir mais explicitamente elementos e homenagens a esta em suas histórias. Porém, como tudo nas narrativas, a sua maior e mais digna contribuição foi escrever excelentes histórias. A minha história favorita do personagem foi, por muitos anos, A Balada de Bill Raio Beta. Se estamos falando de um filme em que outra pessoa é capaz de erguer o Mjnolnir (escreverei como nas HQs, simplificadamente), este é um personagem que merece uma citação respeitosíssima, pois foi o primeiro nas páginas da Marvel a erguer o martelo do loirão. E o Odin de Simonson sempre foi sábio e bondoso. Até hoje acho muito bonita a delicadeza com a qual ele discute o transtorno de Bill haver “roubado” o malho encantado de seu filho:

“Então, segui-me ambos montanha acima. Discutiremos a questão em Hlidskjalf, o trono absoluto. De lá poderemos ver todos os nove mundos e talvez contemplemos com clareza nossos próprios corações. Atenta, para minhas palavras. Eu sou Odin, filho de Bor e neto de Buri, bem como o senhor de Asgard. Este é meu filho, Thor. Desde a aurora do tempo, ninguém além de nós dois ergueu Mjolnir, o martelo encantado. Até hoje. Senta conosco, forasteiro, e fala-nos de ti”.

A solução para o dilema foi forjar uma nova arma com Eitri (parece familiar?), nomeada pelo próprio Odin como Rompe-Tormentas (ou Stormbreaker). O mesmo autor foi responsável por realizar a Saga de Surtur magistralmente, e o visual do Thor no novo filme (com armadura azul, malha dourada nos braços e elmo fechado) é totalmente baseado na armadura do final de sua fase como escritor do personagem, das edições 378 a 382. Dos autores que vieram posteriormente, o único que conseguiu arranhar um pouco o risco de superar Simonson foi o já citado Straczynski. Porém, o autor acabou ficando pouco, e das duas grandes contribuições de sua fase, uma foi do desenhista Olivier Coipel, que criou o visual do Thor com a malha prateada nos braços e botas menos escandalosas. A outra, do autor, foi trazer Asgard para a Terra, mas em vez de fazer num local mais lógico, como algum país escandinavo; optou por trazê-la para Oklahoma. Isso gerou boas discussões, mas a Nova Asgard do Cinema, já adianto, considero muito melhor.

Então, em 2012 a Marvel decidiu chamar um autor já de dentro da Casa das Ideias (e que escreveu muito bem o Motoqueiro Fantasma) para trazer um ar novo às histórias do deus vingador. Foi quando escreveu-se a melhor história do Thor nos quadrinhos em todos os tempos; e o nome de seu criador é Jason Aaron. Trata-se de uma história em duas partes cujo primeiro título soará familiar para quem assistiu ao novo longa do Thor: Carniceiro dos Deuses. O segundo é Bomba Divina. Assim como penso de Walter Simonson com Bill Raio Beta, a impressão que eu tenho é que o Jason Aaron já tinha essa história muito bem definida em sua cabeça, antes msmo de ser contratado. Quase como uma história dos sonhos, que estava guardando para quando fosse chamado (a Marvel faz uma rotatividade de seus melhores autores entre seus melhores títulos, para arejar).

O que Aaron fez com o Deus do Trovão, mais do que abordar a mitologia que o criou, foi abordar sobre o que é fé, o que é ser um deus e qual a sua responsabilidade perante todo um povo. A história começa com uma oração a Thor, que atravessa o espaço para atende-la. Após salvar um povo que estava prestes a se extinguir, graças à oração de uma garotinha, indagou aos mais velhos por que ela não o fez aos deuses daquele planeta. Espantou-se ao ouvir que aquele planeta não os tinha. Ao investigar, encontrou nos céus os corpos daqueles deuses pendurados, como vemos referenciado no filme, numa das telas de socorro dos Guardiões da Galáxia. São os falecidos deuses de Indigarr. E assim começa a narrativa. A origem e objetivos de Gorr são os mesmos abordados no filme, com leves modificações. A diferença é que o original também teve em peso a morte da mãe e da esposa, mas no filme fica subentendido que a filha não foi a sua única perda. O objetivo? Matar todos os deuses que existem: no pretérito, no presente e no futuro.

Após encerrar a melhor história de sua carreira, Aaron continuou no título por mais oito anos, e nesse meio tempo criou a Poderosa Thor de Jane Foster. Muito diferentemente do Cinema, inicialmente era um segredo até mesmo para os leitores a sua identidade secreta; e ao se transformar, Jane assumia lembranças milenares dos deuses asgardianos, e falava em idioma arcaico, assim como o Thor original. Nos filmes isso nem seria possível, porque o próprio Thor não fala assim. A partir daí o grande vilão passou a ser Malekith (que, ao contrário do segundo longa do Thor, tem uma personalidade muito parecida com a do Coringa) e a sua Guerra dos Reinos. Aaron encerrou, porém, em uma história que se passa milênios no futuro, entre o Thor mais velho do que Odin jamais foi e um Gorr que ainda sobreviveu por todo esse tempo. Ao fim de tudo, o autor quis despedir-se com esse vilão.

E sobre o vilão, o maior trunfo de todos esses anos da passagem do autor pelo(s) Thor(s) foi sobre a mensagem de Gorr. Há uma passagem em que ele explicita todo o dilema do Deus do Trovão:

“Finalmente eu entendo você, pequeno deus. Sua versão mais velha, o rei... ele sempre foi nutrido pelo arrependimento. Acha que, se me matar, pode apagar a história de seu próprio fracasso. E sua versão mais jovem, o deus viking... vale-se de sua arrogância e ira para mascarar uma vergonha que mutila. Mas você... você eu jamais pude compreender... até agora. Você sabe que estou certo. Por isso luta tão arduamente... tenta tão desesperadamente aparentar ser nobre. Porque você percebe quão mesquinha e inútil é sua laia. Você sabe o que eu sei. Que os deuses jamais criaram coisa alguma ou se importaram com nada exceto eles mesmos. O deus que duvida. Heh. Mudei de ideia. Você é o meu Thor favorito”.


Todo esse discurso é essencial para a criação da Poderosa Thor, porque nos quadrinhos o Thor nunca empunhou a Stormbreaker. Ele tinha o Mjolnir consigo. Quando ficava, era por pouco tempo, e mais por castigo de seu pai. No entanto, as palavras e ações de Gorr mexeram com o deus. Em outra saga, Thor e os Vingadores enfrentam Nick Fury. Quando este decide enfrentar Thor, simplesmente sussurra em seu ouvido “Gorr estava certo”. Instantaneamente, o malho caiu no chão, quase como uma referência ao ato maculino de broxar. Toda a insegurança que Thor guardava no seu inconsciente sobre as citadas palavras de Gorr vieram à tona no instante em que verbalizaram-se. Enquanto isso, Jane enfrentava bravamente um câncer avançado, e o martelo a chamou; entendeu que naquele momento ela, sim, era digna. A mortalidade é digna: ter que enfrentar problemas diariamente, ter medo da morte e da velhice, enfrentar tanta coisa em tão poucas décadas... No entanto, esse desenvolvimento grandioso da personagem paralelamente criou uma construção fantástica para o Thor original. Indigno, este passou anos sentindo o luto, até que vai superando aos poucos. Assim, resumo o arco desse Thor em três passagens:

1 – “Houve um tempo em que minhas manhãs eram gastas em corridas de cometas. E ganhando. Eu voava de uma ponta a outra do cosmos, subindo tão perto das estrelas, que a minha capa ardia. Meus únicos compatriotas, o trovão em meus ouvidos... e gélido e maciço o de uru em minha mão. Mas eu não sou mais esse deus. Esse deus era digno” (The Unworthy Thor 1, 2017).

2 – “Eles pensam que sou fraco porque indigno. Deixe-os. Eu ainda sou um deus, e mais do que um deus. Eu sou de sangue asgardiano. Filho de sangue de Odin. O senhor da tempestade e do trovão furioso. E eu serei amaldiçoado se eu precisar de um martelo para gerar algum inferno [no original, Hel, reino de Hela]” (The Unworthy Thor 3, 2017).

3 – “Digno? Então, espero jamais me sentir digno novamente, enquanto viver. É apenas a dificuldade que conta. ‘Gorr tinha razão’. Mas saber disso é o que me torna forte. Não os martelos. Não o trovão. O que sou verdadeiramente, Malekith, agora e para todo o sempre... é o deus dos indignos”. Diz isso e em seguida ergue finalmente o Mjolnir (War of the Realms 6, 2019).


Exposto tudo isso até aqui (isso para quem chegou até aqui), fica categoricamente explicitada a importância de todos os personagens e da trama do filme para mim, o quão pessoal é isso, e a bagagem que tenho que automaticamente complementa o que não está no filme. Porém, tratemos do longa em si. Conheci o trabalho de Taika Waititi com o próprio Thor, em Ragnarok, e também pela minha bagagem fiquei previamente apreensivo por juntarem em um único filme a saga Planeta Hulk, a de Surtur, ter a Hela como principal vilã (em vez de... Surtur), e responder as pontas soltas do final do filme anterior. Quando o primeiro trailer foi lançado eu logo deixei todos esses pensamentos de lado, porque parecia tão divertido. E, quando chegou a hora, no cinema, descobri que não só era realmente divertidíssimo, como o roteiro, somado à edição, sabia amarrar muito bem tudo isso.

A mesma preocupação, portanto, nunca tive quanto a Love and Thunder. Em outras palavras, esse filme já foi anunciado com as minhas expectativas o mais alto possível. Eu já sabia, pelos anúncios de que haveria a união entre o arco da Thor com o do Gorr (ou seja, um filme do Taika baseado totalmente em Jason Aaron), que, assim como o anterior, seria uma forma lúdica de contar algo muito mais detalhado, delicado e complexo, como são os quadrinhos. Mas havia dado certo com Ragnarok, correto? Da minha parte, apenas elevadas expectativas. Inclusive, após Endgame, eu sempre dizia que os únicos filmes que eu tinha empolgação prévia para ver eram Thor 4 e Guardiões 3 (especificamente pelo Adam Warlock, um dos meus heróis favoritos – junto do... Thor).

E aí fica a questão, agora que o filme foi visto (três vezes, até o momento) por mim: o lúdico está na mesma boa medida que o antecessor? E se está, conseguiu fazer jus às histórias desse outro autor? A minha resposta é que Love and Thunder é um filme mais fiel ao material de origem do que Ragnarok (que ainda amo), e com piadas menos “exageradas” (citando outros) do que o mesmo. O que eu vejo em resposta a esse filme de maneira geral, no entanto, parece oposta: os espectadores estão mais frustrados do que nunca com o excesso de piadas, com o tom excessivamente lúdico do longa, e com a falta de desenvolvimento dos personagens.


Quando leio ou ouço isso, não é uma questão de discordar (o que seria mais simples), mas de realmente ser incapaz de compreender, ao ponto de me perguntar se assistimos ao mesmo filme. Se for comparar, eu diria que os momentos que chegam mais próximos do nível exagerado de humor de Ragnarok são Tanngnjóstr e Tanngrisnir gritando sempre que aparecem. De resto, considero o humor mais balanceado do que no predecessor (talvez com um amadurecimento pós-Jojo Rabbit). Eu gargalhei assistindo ao filme (mais na primeira, mas em todas as vezes), mas com cenas muito mais naturais e orgânicas, como a cena de Chris Hemsworth segurando as duas naves nas pernas e gritando com os bichos enquanto ficava com a cara vermelha. Toda a arrogância do personagem no início do filme, com os Guardiões (e as respectivas reações a isso), as montagens narradas pelo Korg do vazio existencial e da relação com a Jane, Zeus e suas saias – tudo isto é o humor do diretor. No filme anterior tivemos Jeff Goldblum mais caricato do que nunca, Thor gritando como uma criança preso a uma cadeira, Thor esperando a corrente terminar de girar para falar com Surtur, e um aparelho que eletrocuta o... deus dos Raios e do Trovão.

Quando penso nisso, é natural chegar à conclusão de que quem não gostou do terceiro longa, não o fará em relação ao quarto. Comecei a achar a situação realmente estranha quando notei que muitos dos que viraram a cara para Love and Thunder gostam muito de Ragnarok. Isso tudo me faz questionar se não se trata de uma crise inaugurada com Guerra Infinita e Ultimato, de que todos os filmes precisam ser épicos, repletos de consequências do começo ao fim, e com no mínimo duas horas e meia. Isso talvez ainda seja mais reforçado pelo fato de The Batman também ter tido três horas e se levar completamente a sério (lembro-vos de que amei esse filme, mas há espaço no meu coração para ambos os estilos). Quanto aos amantes de cultura nórdica antiga, ainda tivemos o excelentíssimo The Northman, que certamente os fará cobrar elementos mais fidedignos, e dignos de um Robert Eggers; em contraste com os elementos mais lúdicos, dignos de um Taika Waititi. A minha conclusão é que o longa seria muito mais apreciado se tivesse sido lançado entre 2014 e 2017.

Se Ragnarok trabalhou o protagonista enquanto alguém que não precisava de seu martelo e era digno de salvar Asgard, se Infinity War o fez optar por forjar um machado numa espécie de Jornada do Herói repleta de masculinidade, e se Endgame o fez (apesar das partes cômicas) alguém que teve que lidar com o fracasso de salvar o universo inteiro e o que sobrou do próprio povo; Love and Thunder trabalha, sim, o personagem. A diferença é que não se tratam mais de reinados ou de salvar o cosmos. Isso tudo já foi resolvido: Valquíria é rei e Thor batalha com toda a facilidade de um deus marombeiro. O que é trabalhado aqui é exatamente um dos maiores elementos humanos que esse deus, nessa mídia, poderia ter: fechar o coração quando perde alguém, distrair-se cuidando do próprio corpo e autoestima quando deveria olhar mais para dentro (e o roteiro tem tamanha consciência de si mesmo, que o personagem de Quill menciona que isso tudo está ocorrendo APESAR da idade do protagonista).


Enquanto isso, assim como no material fonte, Jane Foster está enfrentando um câncer. Houve uma leve mudança em relação aos quadrinhos, sobre Thor pedir para que Mjolnir sempre a protegesse, mas isso também envolve exatamente a necessidade de tornar discussões muito mais complexas em algo lúdico para duas horas de experiência. Nem por isso, contudo, a personagem perde a sua tamanha dignidade em estar com câncer e querer, saber que vai perder, e querer passar o resto de seus dias salvando, por uma vez, o universo. O contraste entre o casal fica explícito na cena do hospital, em que Thor dá todo um discurso e é replicado por um “falou como um verdadeiro Thor, que não tem câncer”. Por fim, ao contrário dos quadrinhos, onde ninguém morre, ou morre e volta; o diretor teve a coragem de encerrar a estadia (a menos que vejamos Valhalla mais vezes) da personagem no MCU, da forma mais corajosa que um herói ou heroína poderia fazer: sabendo que morrerá, mas indo sem hesitar.

O vilão foi humanizado em relação à sua contraparte original, pois este se corrompeu por completo e jamais teve redenção. A Necroespada das HQs também não o mata lentamente, como no filme. Dessa forma, o personagem adquiriu dois novos traços: um resquício de humanidade (de forma que a sua raiva era justificada, mas no fim valia mais a pena fazer um pedido por amor do que por ódio) e algo que contrabalanceasse o seu poder (a falta de tempo, pois também estava morrendo, entrando em paralelo com a protagonista).

O Korg e a Valquíria de fato são personagens mais simples, que movem o roteiro. O primeiro nada mais é do que a maior metalinguagem possível, do diretor (que o dubla) explicando algumas coisas sobre os protagonistas e recapitulando filmes anteriores. A segunda funciona como a figura de poder que permite que o Thor esteja por aí, meditando e destruindo templos; e acrescenta na trama quando envolve batalha, sororidade e um ombro amigo para Jane; e com o peso dramático de também ter perdido um grande amor, que desperta um sentimento de impotência descontado em flertes (ou algo mais), trabalho, e bebida.

E justamente puxando esses traços de luto e vazio da personagem de Tessa Thompson, retorno ao protagonista. A sua jornada não é como a que muitos esperavam, porque muitos só queriam ter o Thor em sua Jornada do Herói que tirava as partes iniciais e pulava direto para Luke Skywalker no início de O Retorno de Jedi. Mas o que há de errado em o que move o personagem ser o vazio e a fuga dos problemas, ao ponto de se isolar em uma bolha de batalhas e vitórias, e esquecer-se de quem realmente é? É assim que acontece conosco, não? Machucamo-nos tanto, que em vez de procurar verdadeiramente a cura, procuramos remédios viciantes de curtíssima duração, e terminamos por nos perder; quando poderíamos nos encontrar e ver o quão bonito é o que está dentro de nós, e que o que passou, passou – e, muitas vezes, nem era tudo o que achávamos.

Foi tudo mostrado de forma lúdica? No geral, sim. Em algumas partes não foi nada lúdico. E se poderia haver, em teoria, um filme de 3 ou 4 horas e o diretor optou por fazer um corte de duas; é porque ele queria que fosse mostrado apenas o que está lá. E nada, sejam as piadas ou os dramas; nada seria possível sem um elenco forte (às vezes literalmente) como esse: Natalie Portman provou/reafirmou que a Jane Foster dos filmes anteriores era um problema de roteiro e direção, Tessa Thompson e Taika seguram os pilares, e Russel Crowe cumpre o mesmo papel que Jeff Goldblum (que deve ter sido cortado do filme, pois vazaram fotos dele com o elenco) com a mesma competência e naturalidade; mas com uma função muito mais crucial: provar que Gorr realmente tem um ponto (que o deus morto no início do filme não era só um caso isolado). Chris, por sua vez, realmente não só se descobriu na comédia, mas esta o fez se descobrir como ator. Em todos os tons ele entrega o que precisa, inclusive ao perder a mulher da vida de seu personagem. Por fim, Christian Bale veio para nos lembrar de que ele é realmente infalível como ator, e entrega as melhores atuações do filme, sem dúvidas. Inclusive, tanto pelo roteiro e direção quanto por ele mesmo, o filme muda em sua presença. Apesar do visual diferente do Gorr, este ganhou vida nas telonas com muito respeito. Fico pensando se ele se sentiu no lugar de Heath Ledger ao interpretar o personagem em determinados momentos. Realmente me pergunto sobre isso.

Reitero a mensagem final do filme, que é entregue com a mesma beleza que a mensagem final de The Batman (sobre esperança x vingança): mesmo com tudo o que já lhe aconteceu, está acontecendo, ou acontecerá; mantenha o coração aberto. E, por fim, como Gorr, digo que esse é o meu Thor favorito.


Por Lucas Giesteira

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