Snyder Cut: Toda jornada tem um fim


Logo de início exponho aqui que este é um texto totalmente informal, de opinião (em primeira pessoa), e sem pesquisas feitas para redigi-lo (apenas o que eu sei ao longo dos anos pelo interesse que provém da paixão por essa cultura).

Antes de tratar o Snyder Cut como um filme, gostaria de, antes, de enxergá-lo como um fenômeno. Isso não se dá sem um motivo palpável. Afinal, suponhamos que você, leitor, não tenha assistido a essa versão, e que não tenha nenhuma futura intenção de fazê-lo. Agora, bifurquemos. Se é uma pessoa ligada à cultura nerd (ou cultura pop que se apropria desta), já sabe sobre o lendário #snydercut muito antes de este ser anunciado como uma realidade. Se é um indivíduo alheio a esses assuntos, estes o alcançaram – como é de costume para a cultura pop.

Levemos em conta que a versão lançada nos cinemas, mundialmente, em 2017; foi um fracasso de bilheteria e crítica. Some a isso o histórico de Batman v Superman, que fez dinheiro, mas que não fez jus aos dois nomes que sustentavam o título; e que, como sabemos, foi um caos de crítica e de opiniões do público. Os filmes que não foram dirigidos por Snyder foram sucesso de crítica, público, e bilheteria. Três anos se passaram, e tudo o que havia, até onde sabemos, eram hashtags e banners de campanha para a liberação do corte do diretor. Então, é anunciado não só o lançamento do que já se tinha pronto, como foi liberada uma quantia “razoável” de alguns milhões para finalizar o que o diretor ainda achava necessário. Em seguida é revelado que se tratam de 4 horas de conteúdo. Inicialmente a intenção é lançar como minissérie (o que parecia mais viável, mercadologicamente), mas logo é decidido lançar um filme com o dobro do tamanho convencional (Endgame parece curto agora, não?).

Enfim, se esquecermos rapidamente as análises estruturais e de percurso, a pergunta que fica é: como isso aconteceu? Já virou piada abordarmos sobre os fãs que tratam o diretor como Deus (com ou sem letra maiúscula, apesar de me parecer mais a segunda opção). Eu mesmo me referencio a ele dessa forma, ironicamente – ainda que respeitosamente. Dito isto, não me parece tanto uma piada dizer que essa obra é mais do que um filme no sentido lato. É, sim, um fenômeno, uma entidade, um acontecimento relevante na história do cinema. Lançamentos em home video com cenas excluídas são algo com o qual já estamos bastante acostumados. Contudo, quantos exemplos temos de um filme cujo lançamento original deu-se por um fortíssimo desmembramento; e cujo corte do diretor alcançou, na posteridade, maior influência no imaginário coletivo do que o exposto nas redes de cinema mundiais? Blade Runner, é claro. Quantos mais? E, se formos criar uma competição, qual corte do diretor diferenciou-se mais do original? O grande mérito de Ridley Scott me parece muito mais por ter realizado o feito primeiro, mas o de Snyder parece ecoar mais – como os gritos da morte do Superman.


Uma vez exposta a minha interpretação do Snyder Cut (para mim esse é o nome verdadeiro, ainda que não oficial) enquanto acontecimento histórico, devo traçar algumas opiniões a respeito do filme.

Acho pertinente iniciar deixando explícito o quanto eu desgostei do formato 4:3, escolhido pelo próprio Godsnyder. A intenção, além dessa, era de que o filme fosse visto em preto e branco. Escapamos desta atrocidade, mas não da primeira. Acredito que muito se perde em um formato quadrado, além do simples estranhamento causado por... bem, assistirmos a todos os outros longas no formato widescreen.

Também é interessante pontuar, logo de início, que o filme consegue ser ironicamente diferente e semelhante da versão de 2017. Semelhante porque o esqueleto é exatamente o mesmo; diferente porque todos os tecidos (epitelial, conjuntivo, muscular) foram substituídos. Assim, o resultado é um amálgama da oportuna “surpresa” (o diretor ama tanto esse universo, que se empolga na divulgação) com o sentimento de “já vi isso antes”. Não entendam mal, isso é um sentimento geral. É claro que basta somar 1+1 para notar as diferenças.

Pouco após o lançamento de BvS, recordo-me de que para o filme da equipe o diretor de fotografia de todos os filmes anteriores de Snyder foi substituído por outro. Esse não é um fato que ocupou a minha memória nos últimos anos, e por isso digo entristecidamente de que me recordei por sentir uma diferença considerável entre a fotografia do Snyder Cut com todos os anteriores, da filmografia de Zack. Ela está ótima, sim (muitíssimo melhor do que a de Whedon, com o seu Batman azulado), mas não tão incrível como antes.

Não sabemos até onde se pela visão 100% original de Snyder ou por interferências do estúdio já em 2016 (que, tenhamos certeza, aconteceram), a versão de 4 horas já é bem mais otimista do que Man of Steel e Batman v Superman. Isso, portanto, não é decorrente apenas das regravações e edição de Joss Whedon. Aproveitando a citação ao – atualmente – polêmico diretor e doutor de roteiro, elenco dois elementos de que, pasmem, senti falta da versão monstro de Frankenstein de 2017: 1) O uso das cores vermelho, azul e amarelo especificamente na cena em que Clark abre a camisa; 2) Superman referenciando a, já clássica, frase “Do you bleed?”. Como contraponto, uma cena da “nova” versão de que gostei muito, apesar de simples, é o Batman entrando na nave e gritando "baseado em fé, Alfred". Isso é avançar em relação a BvS sem ser piegas. Ao menos para mim.

Sobre os 240 minutos de duração, devo dizer que não cheguei a achar o filme cansativo, mas também não nego que as duas primeiras horas não são exatamente o material mais fluído de se consumir. Preciso pensar mais, mas arrisco dizer que ainda prefiro MoS e BvS. Porém, que fique claro que essa versão da Liga é ótima, sim. Inclusive, acho estranho a Warner ter tido o “chilique” de contratar Whedon para regravar e reeditar. Podiam, sim, cortarem uma hora da versão de Snyder e lançar 3 horas nos cinemas. Endgame teve essa duração, e vi pouquíssimos esboçando alguma reclamação a respeito. Uma versão de 3 horas já teria sido bem mais digna do que aquele, repito, monstro de Frankenstein.

Pelo próprio último trailer, já não é spoiler constatar que o Caçador de Marte (ou, sim, Ajax) teve duas excelentes aparições. O único defeito que vejo é quanto ao visual, que me causou alguma estranheza. Acredito que seja uma mistura de design com CGI mal resolvido. A satisfação em vê-lo, no entanto, vence o estranhamento.


Continuo achando o Aquaman e o Flash os elos fracos não só do grupo, mas do filme (porém, menos do que no Josstice). Porém, a maior decepção, admito, foi sobre quase tudo o que envolve a sequência do pesadelo. Eu, genuinamente, acreditava que essa linha do tempo tomaria muito mais parte das quatro horas, mas me deparei com uns 10 minutos, imagino. Se a duração decepcionou, a aparição de Joker Leto cumpriu com as minhas expectativas. Esse é o x da questão, não? Quais eram as minhas? A de um Coringa mais uma vez atuado na base do exagero, mas desta vez em uma cena que soubesse usufruir do overreacting de Jared. O visual que puxa para um lado mais “terror” (e, em preto e branco, totalmente Black Metal) já era uma vitória certa, mas o personagem em cena entregou o que eu esperava. Uma supresa, imagino que para muitos, é que ele não profere a frase que virou rapidamente meme: “Vivemos em uma sociedade”. Pela primeira vez Snyder não entregou algo nos trailers, afinal.

Tudo sobre esse lançamento tem o tom de despedida, por dois motivos centrais. O primeiro é o compilado de tudo o que elenquei no início do texto, de divergências e tragédias mercadológicas. Este é o lado do estúdio. Já o lado de Snyder é simplesmente sobre o quanto apanhou e foi desrespeitado ao longo de... quase toda a sua carreira como diretor de adaptações de quadrinhos? Antes de assistir ao longa (nunca esse termo fez tanto sentido), a minha opinião era a de que deveria, sim, ser uma despedida. Agora, devo dizer que mudei de ideia. Ver Darkseid preparando as tropas para invadir a Terra em busca da Equação Anti-Vida deixou o gosto de “quero mais”. Contudo, não desejo ver essa abordagem nas mãos de outro diretor. Não é assim que funciona. A Marvel está nas mãos de Kevin Feige; neste caso importa menos se diretores forem trocados. Perde-se a parte criativa, mas permanece a coesão essencial. A Warner tentou inserir Geoff Johns como a figura de Feige para a DC, mas isso simplesmente não funcionou. Assim, é o próprio Snyder que exerce o papel de mente por trás da estruturação desse universo. Sem ele já notamos claramente os sinais de fragmentação. Feige é o nerd da Marvel, e Snyder é o da DC. É preciso um nerd para abordar um filme sobre a busca pela Equação Anti-Vida.


Um desejo pessoal (que, acredito, é compartilhado por muitos) meu é o de um filme inteiro passado na linha temporal do Pesadelo/Knightmare/Injustice. Seria um jeito, inclusive, bem conciliador para existirem o Batfleck e o Battinson em filmes diferentes. Um como um Batman totalmente alternativo (de sobretudo, boca suja e vivendo em uma sociedade) e outro como o Batman das histórias tradicionais.

Esses anseios por projetos futuros, quer existam, quer não; são intrínsecos a sentimentos humanos, como a expectativa. Porém, e me apropriando da discussão de Wandavision, aproveitemos o que temos e deixemos o futuro vir naturalmente. Peço, de antemão, desculpas por trazer citações à Marvel aqui, mas deixo claro que a causa disso é o fato de nerds de quadrinhos serem nerds de quadrinhos. Não intenciono trazer disputas ou medir centímetros. A história do “snyderverse” acabou pegando emprestado o plot de Endgame, supracitado aqui: uma tragédia acontece e afeta a todos por um punhado de anos; mas ao fim o problema é resolvido, ainda que os anos anteriores não tenham sido apagados da memória e da realidade. O final, ainda assim, é feliz.

Escrito por Lucas Giesteira

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