Aspectos gerais sobre a Alta Idade Média
INTRODUÇÃO AO PERÍODO HISTÓRICO
O início da Idade Média
(que durou aproximadamente do século V ao XV) remonta ao período de decadência
do Império Romano e, ainda mais especificamente, no que diz respeito às
migrações bárbaras (a partir do século III), através de concessões fiscais
dadas a esses povos pelo Império; além do fim da escravidão romana e da difusão
do cristianismo e do islamismo. Em outras palavras, para compreender o início
da Idade Média é preciso compreender o fim da Antiguidade.
Entretanto, esses
acontecimentos entre um período histórico e outro não marcam o que pode ser
chamado de ruptura, antes se tratam de transformações.
O termo “bárbaro”
significava “não-grego” e, posteriormente, “não-romano”, tornando-se também
sinônimo de “incivilizado”. A realidade era que uma única palavra não fazia jus
à heterogeneidade desses vários povos. Já o termo “povos germânicos” é moderno,
e enquadra esses povos conforme a sua geografia. Cada um desses povos unia
pessoas de diferentes línguas, culturas e locais, sendo portanto de caráter
mais político do que étnico. É preciso ressaltar também que alguns desses povos
foram inventados pelo nacionalismo europeu dos séculos XIX e XX, e que também
aqueles que realmente existiram tiveram mitos de origem e desenvolvimento
inventados por essas correntes nacionalistas (como o nazismo).
Houve realmente povos
bárbaros que tentaram invadir e conquistar o Império Romano, como os hunos, mas
a grande maioria deles apenas migrou para as fronteiras do Império, tornando-se,
inclusive, federados do mesmo. De fato houve ataques, mas trataram-se mais de
revoltas contra ações do Império do que de invasões. Muitos deles lutaram ao
lado de Roma contra outros povos (como os invasores hunos), em troca de
benefícios, como habitarem tranquilamente na região. Assim sendo, a queda de
Roma aconteceu mais por conflitos internos de classe, do que pura e
simplesmente pelas “invasões bárbaras”.
A crise começou com o fim
das conquistas romanas, (pois o império já estava em sua máxima extensão) que
encareceu o comércio e o tráfico de escravos, o que também levou ao
encarecimento dos produtos agrícolas. Somaram-se a esses prejuízos os custos de
se manter o elevado número de soldados para guarnecer as fronteiras. Desta
forma, passou a ser muito difícil viver nas cidades, e iniciou-se um processo
de ruralização. Abriu-se então espaço para a ascensão germânica.
Em 476 d.C. o imperador
Rômulo Augusto foi deposto pelo rei bárbaro Odoacro. Tal fato não significou
uma anarquia ou descentralização, mas apenas uma transferência de poder
(inclusive local, com a sede não mais em Roma, mas na Gália), através da
dinastia merovíngia, a primeira do Reino dos Francos. Logo de início já se
consolidaram as novas relações entre Estado e Igreja, sobretudo através das
conversões dos reis ao cristianismo, como no caso de Clóvis (465-511).
Em seguida veio a dinastia
carolíngia, mais conhecida pela figura de Carlos Magno (coroado “imperador dos
romanos” pelo papa Leão III), que realizou uma reforma educacional e
administrativa (pois estrutura administrativa do império era muito precária,
sendo este dividido em cerca de 250 condados, para facilitar o controle)
conhecida como o Renascimento Carolíngio, que uniu artes e conhecimentos da
Antiguidade (através de textos gregos e latinos), costumes germânicos e visão
cristã. Foi após a morte do imperador que houve um grande aumento de
fragmentações, dando fim à centralização política. Com o Tratado de Verdun
(843) o império foi dividido entre os seus três netos e os proprietários rurais
passaram a dominar cada vez mais as suas localidades.
Assim, a descentralização
política característica do período medieval teve início por volta da metade da
Alta Idade Média, e não por causa da crise do Império Romano, o que também
mostra que durante todo esse período havia o poder do Estado e o poder da
Igreja lado a lado, não havendo até então a supremacia desta segunda, outra
característica marcante do período medieval. Ela teve, porém, papel fundamental
desde o princípio, para que fosse possível a ascensão do reino franco através
da legitimação do rei, por exemplo.
Apesar de os bárbaros terem
absorvido muito da cultura greco-romana e se convertido ao cristianismo, de
fato esses aspectos foram bloqueados em alguns territórios, mas pelos
muçulmanos. Após a morte de Maomé, os califas levaram o Islã a outros
territórios, conquistando a Pérsia, boa parte do Mediterrâneo e a península
Ibérica. No século IX a circulação de bens e saberes foi bloqueada por eles.
Contudo, apesar de bloqueado, o conhecimento foi guardado e inclusive
desenvolvido. Os árabes se interessaram pela ciência dos gregos, desenvolvendo
aspectos da Medicina, Astronomia, Filosofia e Alquimia. Esses conhecimentos,
porém, só foram repassados posteriormente aos europeus.
ESTRUTURA SOCIOECONÔMICA
RURAL
Na já citada crise do
Império Romano, os latifundiários estabeleceram o arrendamento das terras para
solucionar o problema, em que o camponês (em muitos casos ex-escravo) recebia
um pedaço de terra e o pagava através de trabalho gratuito ou com produtos.
Somou-se a isso o Edito do Máximo, proclamado pelo imperador, em que o
trabalhador não poderia mais deixar a terra e o proprietário, dando início à
servidão da Idade Média. A isso se somou também uma instituição bárbara, o comitatus,
que designava relação de fidelidade mútua entre os chefes das tribos e seus
guerreiros, em que estes recebiam terras de seus chefes em troca de seus
serviços militares. Pode-se dizer, então, que a estrutura socioeconômica
posterior teria como origem a união e relação dessas instituições romanas e
bárbaras, em um momento de decadência de Roma, cujas villas (grandes
propriedades rurais) tornaram-se o centro da vida econômica, em detrimento do
despovoamento das cidades.
Contudo, no que diz respeito
à quase todo o período da Alta Idade Média, ainda não podemos falar em
feudalismo. Entre este e a crise romana existiu o chamado Grande Domínio, que
precedeu o modelo feudal. Esse modelo surgiu no período Merovíngio (entre o
Loire e o Reno) e prosseguiu no Carolíngio, era organizado bipartidamente,
constituído de uma reserva senhorial e de tenências. A reserva senhorial era
composta de terras aráveis, vinhas, prados e florestas, sendo tão grande quanto
o seu conjunto de tenências. Assim como nas villas romanas e nos feudos, os
camponeses deviam pagamentos ao senhor, também em produtos ou serviços.
Diferentemente do
feudalismo, o Grande Domínio não existiu no período de “anarquia feudal”. Como
já foi dito, o governo bárbaro do Reino dos Francos após a crise de Roma ainda
era centralizado, apesar de ser administrativamente inferior. O declínio do
modo de vida urbana para o campo não implicou a existência de um Estado
descentralizado ou uma anarquia, o que só aconteceria em torno do século IX, no
fim da dinastia Carolíngia, com o surgimento do feudalismo.
A morte de Carlos Magno deu
início às fragmentações. No governo de seu filho Luís, o Piedoso, o império
começou a declinar. Seus três filhos rebelaram-se contra ele e o império foi
dividido entre eles. Nobres, grandes proprietários rurais começaram a dominar
no âmbito local e o poder dos reis foi apressadamente enfraquecido. Surgiu,
então, a estrutura socioeconômica conhecida como feudalismo, com o poder
político exercido pelos senhores feudais. As principais características da
sociedade feudal foram o papel central da Igreja, que passou a ser o principal
poder, a baixa mobilidade social (sociedade estamental: claro, nobreza e
servos) e as relações sociais básicas: as de suserania e vassalagem (entre nobres,
senhores feudais), as comunitárias (entre servos) e as servis (entre senhores e
servos). Essas relações cavaleirescas de suserania e vassalagem derivam do comitatus
germânico, pois o vassalo jurava fidelidade a um suserano, recebendo um
feudo e proteção, e em troca devia certas obrigações, sobretudo militares.
O trabalho nos feudos era
servil (havia pouquíssimos escravos e trabalhadores livres) e reconhecia-se a
condição humana do servo. Eles trabalhavam nas três partes que constituíam as
terras do senhor feudal: manso senhorial, pastos e bosques (uso comum de
senhores e servos), e o manso servil. Havia várias obrigações impostas pelo
costume, e não por meios contratuais, como a corveia (trabalho compulsório nas
terras senhoriais), a talha (entrega de uma parte da sua produção), banalidades
(taxa pelo uso de instalações como toneis, moinhos e fornos), o vintém (imposto
para a Igreja), e a “mão morta” (taxa paga para que os filhos continuassem com
a terra após a morte do pai). A produtividade era muito baixa e qualquer
acidente climático acarretava em muitas mortes. Isso fazia da fome um mal
constante, mas ela se devia mais ainda pela má distribuição de alimentos, fruto
da sua concentração nas mãos dos grandes senhores.
Apesar de ter surgido
aproximadamente no século IX, período ainda considerado como Alta Idade Média,
o feudalismo ocupou muito mais a Baixa Idade Média.
A economia feudal estava
muito próxima da autossuficiência (em questão de gêneros, certamente não de
quantidade), mas ela não era plena. Assim sendo, ela não representou o fim das
atividades comerciais, presentes tanto no Grande Domínio quanto no feudalismo.
Elas continuaram de forma irregular em toda a Europa (de forma mais local) e
eram necessárias pelas dificuldades na produção agrícola e carência de produtos
específicos. Desta forma, as feiras locais ofereciam alguns desses produtos em
carência.
JUSTIÇA, VINGANÇA E VIOLÊNCIA
Apesar da centralização do
Estado durante a maior parte da Alta Idade Média, o seu poder político
consistia mais em uma relação privada entre indivíduos do que a ideia que temos
de Estado como instituição pública (e que possui o monopólio da violência).
Desta forma, os ideais desse período não eram como os romanos, baseados na
salvação pública, mas sim na salvação privada. Contudo, os grupos tomavam para
si a ideia de paz em conjunto, constituindo a “paz comunitária”.
Esses grupos eram, na
verdade, clãs ou espécies de famílias estendidas, denominadas sippe. O
que se buscava era apenas o estado de paz. Se essa paz fosse quebrada por um
crime ou uma ofensa, o agressor/ofensor entrava em um estado de inimizade (fehde)
com o indivíduo ou sua sippe, uma espécie de guerra privada. Essa
inimizade durava até que a pessoa ou grupo fosse compensado de algum modo
(normalmente materialmente). Caso isso não ocorresse, era permitida a vingança
individual. A vingança, porém, também ocorria primeiramente em casos isolados,
mas era mais comum o dano ser compensado real ou simbolicamente, no lugar da
vingança de sangue. Ela não era, contudo, vista como algo “bárbaro”, mas um
meio de se alcançar a pacificação na comunidade (a vingança era permitida, pois
Deus era vingativo e a religião refletia o comportamento da sociedade). Houve
tempos, também, em que havia a impossibilidade de realizar a inimizade até que
se tivesse certeza de que o delito não seria compensado pelo culpado. No caso de um crime, a
acusação era feita pela parte da vítima, oralmente, e o julgamento era privado.
Deveria haver provas ou o crime deveria ser admitido pelo culpado. Caso isso
não ocorresse, pedia-se a Deus algo que provasse a veracidade da acusação ou
recorria-se ao duelo judicial.
O que se almejava,
portanto, era o puro e simples estado de paz (a punição não vinha da
transgressão da lei, mas sim do conceito subjetivo de transgressão da paz), e
uma vez que a sua ruptura fosse resolvida e a vítima (ou seu clã) estivesse
satisfeita, o crime era considerado como inexistente, extinto. Havia casos em
que nem se cumpria a pena, o simples perdão ou satisfação por parte da vítima
já encerrava o caso. Assim sendo, a restauração da paz estava nas mãos da parte
ofendida, que por meio de compensação (ou não) se declarava satisfeita.
Posteriormente, porém, a
resolução de conflitos passou a não caber inteiramente à parte lesada, e os
crimes passaram a ser algo lucrativo para os poderosos, por meio do fisco.
Desta forma, os conflitos entre os indivíduos passaram a ser usados pelos reis
e seus mandatários (então legitimados pela moral universal da Igreja Católica)
como forma de controle (através da lei penal) e de lucro, através da cobrança
de taxas nos julgamentos. A pacificação comunitária, portanto, deu lugar à
opressão privada pelos reis através da resolução de conflitos. Isso não quer
dizer, porém, que o Estado assumiu o monopólio da violência, pois acordos e
vinganças entre as partes envolvidas continuaram em paralelo.
Por Lucas Giesteira
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