O legado de Star Wars além do Cinema

O artigo anterior questiona todo o conceito da nova trilogia de Star Wars. Além disso, é senso comum para muitos (ao menos para os mais velhos, que vivenciaram a Trilogia Clássica) que a segunda trilogia deixou muito a desejar, no sentido oposto ao desta. O seu conceito é ótimo, mas a execução encontrou muitos problemas na direção de George Lucas: vícios de CGI, usado excessivamente; atores mal dirigidos e diálogos irreais. Colocando as coisas desta maneira, pode parecer que tudo de bom em Star Wars se resume aos três filmes originais, Rogue One e, talvez, A Vingança dos Sith (que, na minha opinião, é o segundo melhor de todos).

O objetivo aqui é mostrar que há muito mais de excelente a ser apreciado sobre a galáxia distante. As três principais mídias responsáveis por enriquecer esse universo são a televisão, livros e quadrinhos. Não nos esqueçamos, porém, dos jogos de videogame, que trouxeram alguns dos personagens mais amados fora da cinematografia. Dentre essas mídias, fazem parte do cânone as séries de TV The Clone Wars, Rebels, Resistance e The Mandalorian; bem como todos os materiais em outras mídias feitos após a compra da LucasFilm.

O material mais conhecido do chamado Universo Expandido (transformado em Legends pela Disney, e descanonizado) é a Trilogia de Thrawn, de Timothy Zahn. O primeiro livro, Heir to the Empire, foi publicado em 1991. A trama se passa cinco anos após O Retorno de Jedi, com a ex-Rebelião tendo de lidar com as dificuldades de se instaurar uma nova República. De forma semelhante (mas muito maior) ao Império remanescente em The Mandalorian, há muitos oficiais ainda fiéis em uma pequena frota, liderados pelo Grão Almirante Thrawn. Zahn explica de forma muito satisfatória a sua ausência na trilogia original. O militar é da raça Chiss e foi encaminhado para missões muito distantes, devido ao preconceito do Imperador com espécies não humanas. Normalmente Thrawn jamais chegaria à patente de Grão-Almirante, mas devido à sua grande genialidade, Palpatine cedeu.

Os dois pontos centrais do plano de Thrawn consistiam primeiramente em chamar um clone enlouquecido de um velho Mestre Jedi das Guerras Clônicas, cujo poder mental influenciaria a capacidade de batalha da frota. Em segundo lugar, para lidar tanto com Luke e Leia quanto com o clone de C'Baoth, o novo líder do Império sequestrou criaturas conhecidas como Ysalamiri, capazes de anular o contato/poder com a Força de todos os que se aproximam. Dentre os outros personagens introduzidos nesses livros, estão: os gêmeos de Leia (Jaina e Jacen Solo, este último muito parecido com Kylo Ren), Mara Jade (um dos maiores rostos do Universo Expandido e futura esposa de Luke, ex-Mão do Imperador), Talon Karrde (contrabandista que assumiu o legado de Jabba, mas uma boa pessoa), o líder rebelde Garm Bel Iblis, o capitão imperial Pellaeon, e a raça alienígena Noghri.

A grande maioria desses personagens criados por Zahn foram descanonizados pela Disney, com algumas ótimas exceções. Thrawn foi recanonizado na série de TV Rebels. Esta também foi responsável por incluir os Noghri, Ysalamiri e o capitão Pellaeon. Infelizmente, Mara Jade e os gêmeos Solo não verão a luz do dia novamente. A história iniciada em 1991 prosseguiu em 1993, com Dark Force Rising; e foi concluída em 1993, com The Last Command. A qualidade dessa trilogia é excelente, e permanece aclamada até hoje, após partir para o selo Legends.

Já o material não cinematográfico e canônico mais conhecido é a série The Clone Wars. Idealizada por Dave Filoni e pelo próprio George Lucas, foi a responsável por enriquecer todo o período dos três prelúdios, tornando-os melhores. Humanizou os clones, que deixaram de ser meros figurantes com os quais não nos importamos; e separou a personalidade (e aparência) de cada um. Até então o mais conhecido era o Comandante Cody, que tentou assassinar Obi-Wan no Episódio III. Agora somos apresentados ao Capitão Rex, o clone mais fiel à República e aos Jedi. Uma vez estreitada a conexão entre soldados e generais Jedi, abria-se a questão sobre o porquê de (quase) todos os clones haverem obedecido à Ordem 66. Há todo um cuidado em responder a essa questão, que consiste na implantação de chips que afetariam a mente de todos os clones ao receberem a ordem final do Chanceler. Como foram criados em laboratório, não há nenhuma dificuldade em aceitar esse retcon. 

Além da exploração dos Jedi que já conhecemos (Plo Koon, Kit Fisto, Adi Gallia, Ki Adi Mundi, Shaak Ti, Aayla Secura e Quinlan Vos), excelentes novos personagens foram criados, dentre eles: a Padawan Ahsoka Tano, o caçador de recompensas Cad Bane (que superou Boba Fett como o melhor caçador), o pirada Hondo Ohnaka, os mandalorianos Duquesa Satine e Pre Vizsla, a bruxa Mãe Talzin, e Savage Opress (irmão de Darth Maul). Destacamos o avanço em inúmeros personagens já criados; como o próprio Anakin, mais maduro do que o de Hayden Christensen, mas ainda com os defeitos que o levaram ao Lado Sombrio. O mesmo pode ser dito de Asajj Ventress, Boba Fett e, acima de tudo, Maul. Este retornou da suposta morte pelas mãos de Obi-Wan, em A Ameaça Fantasma, e finalmente tornou-se um dos maiores vilões da saga (há muito o sonho de muitos fãs). É preciso lembrar que foi esta série a responsável pelo nascimento de Saw Gerrera, estranho personagem de Rogue One.

Antes da massiva ação da Disney, The Clone Wars até então havia sido responsável pelos maiores encerramentos de cânones da franquia. Todos os livros e quadrinhos sobre os mandalorianos deram lugar aos conceitos criados por Filoni (e que rendem até hoje). A elogiadíssima série com traços 2D criada pelo reconhecido Gendy Tartakovsky também deixou de ser levada em consideração. Inicialmente pode ter parecido um exagero, mas a longevidade e complexidade da nova série acabaram justificando a decisão de Lucas. Cancelada subitamente após a compra pela Disney, TCW deu lugar a Rebels. Esta continuou vários de seus conceitos e personagens; como Maul, Ahsoka e os mandalorianos. Após o fim do tempo de contrato com a Warner/Cartoon Network, o Mickey decidiu trazer The Clone Wars de volta para a sua sétima e última temporada, a ser lançada em 21 de fevereiro deste ano.

A seguir serão listados os outros grandes materiais de Star Wars fora da mídia cinematográfica (tanto canônicos quanto não canônicos):

1. Knights of the Old Republic (KoTOR) - Este nome deu luz ao renomado RPG que, em 2003, criou Darth Revan, um dos Sith favoritos dos fãs (e o antagonista Darth Malak); assim como ao quadrinho da Dark Horse Comics, que nos presenteou com o atrapalhado Zayne Carrick. Também deu origem ao MMORPG The Old Republic, também desenvolvido pela BioWare. Além da marca em si, há várias histórias em quadrinhos que se situam relativamente nesse período, contando as histórias de Jedi como Ulic Qel-Droma e Nomi Sunrider; e Sith como Exar Kun, Marka Ragnos, Naga Sadow e Freedon Nadd.

2. Rebels - A já citada série que nos mostra a origem da Rebelião na forma organizada como a conhecemos. Nos apresentou o Jedi Kanan Jarrus (que se assemelha com Rahm Kota, de The Force Unleashed) e o Padawan Ezra Bridger, bem como os outros tripulantes da Fantasma: a Twi'lek Hera Syndulla, a mandaloriana Sabine, o lasat Zeb Orrelios, o droid Chopper, e os inquisidores do Império.

3. Shadows of the Empire - Foi um projeto multimídia de 1996, cuja história situava-se entre O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi (há o espaço de um ano entre ambos). Envolveu sobretudo um jogo de videogame, um livro, uma graphic novel, e um álbum de trilha sonora. A grande adição dessa série é o mercenário mocinho Dash Rendar, protagonista do jogo. Rendar enfrenta caçadores de recompensa e salva as vidas de Luke e Leia, que já estão em tentativa de resgatar Han Solo. O grande vilão é o líder da organização Sol Negro, Príncipe Xizor. Este deseja tomar o lugar de Vader ao lado de Palpatine. Boba Fett também possui papel importante na trama. Essa é a história em que é mostrada a construção do sabre verde de Luke, em Tatooine (cena que havia sido filmada para o Episódio VI, mas foi deletada). O autor do livro é Steve Perry.

4. The Mandalorian - Esta série live-action é um dos melhores materiais da era Disney, junto de Rogue One. Entende-se que a trama iniciada em The Clone Wars e prolongada em Rebels será prosseguida nesta. Por ser recente, a trama de sua primeira temporada não será detalhada aqui. Tudo o que parece importar para o mundo é a The Child, conhecida como Baby Yoda.

5. Legacy - Juntamente aos quadrinhos de Knights of the Old Republic, esta é a maior adição ao universo de Star Wars pelas mãos da Dark Horse. Passam-se 126 anos após O Retorno de Jedi, e nos introduz a um valoroso descendente de Luke: Cade Skywalker. A galáxia foi invadia pela raça alienígena Yuuzhan Vong, e venceu-os a muito custo (inclusive com a morte de Darth Caedus, ou Jacen Solo). Em todo o contexto de reerguê-la, fundou-se um novo império. Este, porém, visava boas coisas, pelas intenções do Imperador Roan Fel. Os Sith reergueram-se sob a liderança de Darth Krayt, que abandonou a regra de dois de Darth Bane. Estes aliaram-se a Fel, para em seguida traí-lo e permitir que Krayt assumisse o trono, governando à moda de Palpatine. Foi essa Ordem Sith que massacrou os Jedi, deixando Cade Skywalker órfão. O jovem tornou-se um pirata espacial e usava drogas para fechar-se à Força (de forma semelhante a Luke no Episódio VIII), mas precisa lembrar-se do que é ser um Jedi.

6. Dark Times - Lançada juntamente com Legacy, em 2006; é uma série que não vai a fundo no passado ou futuro da saga, optando por contar a história de um Jedi (Dass Jennir) fugindo do expurgo pós-Ordem 66. Une-se a ele a tripulação da Uhumele, com destaque para o nossauriano Bomo Greenbark. A ótima história escrita por Mick Harrison é presenteada com os belos traços de Douglas Wheatley.

7. Darth Plagueis - "Darth Plagueis foi um Lorde Sombrio de Sith tão poderoso e tão sábio, que podia usar a Força para influenciar as midi-chlorians para criar vida. Ele tinha tantos conhecimentos do lado sombrio, que podia impedir aqueles com quem ele se importava de morrer". O livro de James Luceno conta essa história, introduzida por Palpatine em A Vingança dos Sith. A primeira metade é mais focada no Sith da raça muun, enquanto a segunda foca mais no jovem Palpatine. Após o Episódio IX parece estar na "moda" chamá-lo de Sheev. De fato trata-se do nome de nascença de Sidious, mas este optou por abandoná-lo e assumir o sobrenome Palpatine (o seu pai era Cosinga Palpatine) como primeiro e único nome. É importante mencionar que a descoberta da geração e prolongamento da vida não se deu apenas pelos estudos da manipulação da Força, mas também por estudos genéticos (envolvendo midi-chlorians). Assim como TCW, enriqueceu demais a segunda trilogia, tornando-a melhor.

8. Trilogia Darth Bane - Estes três livros contam a jornada de Dessel, ex-minerador de cortosis que abandonou a sua identidade em prol da alcunha de Bane. Careca pelas toxinas das minas e musculoso pelo trabalho nas mesmas, passou até parte de sua vida adulta sem conhecer o seu poder na Força (apesar de entender que tinha sensações que davam algumas vantagens, como em jogos de azar). Ao ser acolhido na Academia Sith de Korriban, ascendeu rapidamente em poder e, acima tudo, em conhecimento. Este o permitiu concluir que era preciso destruir aquela Ordem e erguer uma nova, que se basearia em apenas um Mestre, detentor do poder; e um aprendiz que desejaria possuí-lo. Apesar de seu treinamento pelos Lordes Sombrios de Korriban, o seu grande mestre foi Darth Revan, cujo conhecimento foi guardado na forma de um holocron. Apesar de mostrados como indignos, somos apresentados a Sith interessantes, como Kaan, Kopecz, Ka'Sim e Githany. O autor da série é o mesmo dos jogos KoTOR, Drew Karpyshyn. O personagem foi trazido a um episódio de The Clone Wars, em que Yoda visita Korriban (para a série o planeta foi renomeado como Moraband) e depara-se com uma visão de Bane. Assim, não havia como a Disney descanonizar o personagem e o seu legado, apesar de os livros pertencerem ao selo Legends. Revan quase ganhou uma aparição na série. Mesmo assim, porém, foi trazido ao cânone pelo Dicionário Visual de A Ascensão Skywalker, que revela a utilização de seu nome em designações de tropas da Última Ordem.

9. Dark Empire - Esta é uma história que parecia absurda, até que J. J. Abrams decidiu roteirizar e dirigir A Ascensão Skywalker. Os quadrinhos contam sobre o retorno de Darth Sidious, após ser clonado nos confins da galáxia e utilizar o Lado Sombrio para transferir a sua mente para esses corpos rejuvenescidos. Desta vez, sem Vader, Luke não sabia o que fazer. Assim, decidiu tornar-se o novo acólito sombrio de Darth Sidious, visando derrotá-lo. Essa história se passa após a Trilogia de Thrawn.

10. The Force Unleashed - 2008 foi o ano dos aprendizes de Anakin. Junto com Ahsoka, do lançamento de The Clone Wars no cinema, Starkiller (nascido Galen Marek) foi descoberto por Darth Vader ainda criança, em Kashyyyk. Treinado pelo Lorde Sith, tornou-se um dos personagens mais poderosos de Star Wars. Junto de Juno Eclipse e PROXY, navegava pela Rogue Shadow em missões para matar remanescentes Jedi, como Shaak Ti. O seu treinamento por Vader deu-se em segredo, pois Palpatine respeita a regra de dois. Quando este descobriu a existência do jovem, Vader fingiu matá-lo. Em seguida, pediu para que se infiltrasse entre os rebelados contra o Império e os trouxesse até ele. Conforme entra em contato com os Jedi - sobretudo Rahm Kota - e com os rebeldes, Starkiller aproxima-se do lado luminoso, e une-se de coração à causa contra o regime imperial. Ao fim da história, Galen é morto pelo Imperador para que os seus novos aliados pudessem sobreviver e fundar oficialmente a Aliança Rebelde (tudo isto foi trocado pelo nascimento da Aliança na série Rebels). Apesar de o arco da primeira história ser bem fechado, o sucesso do jogo fez com que criassem The Force Unleashed II, que envolve a clonagem de Starkiller. Observa-se que este foi homenageado duas vezes no cânone da Disney: pelo nome de Galen Erso (Rogue One) e da base Starkiller (The Force Awakens).

Apesar de todas essas citações, o Universo Expandido de Star Wars consiste em muitíssimo mais histórias, das quais aqui apenas pretendeu-se citar as mais relevantes. Faz-se aqui uma menção honrosa à série de jogos Jedi Knight, onde nasceu o ex-stormtroper Jedi, Kyle Katarn.

Lucas Giesteira