A enfermidade que acometeu a nova trilogia de Star Wars

Quando a Disney decidiu comprar a LucasFilm (como parte de seu plano de dominação global), ficou no ar um misto de empolgação com curiosidade. Empolgação porque confirmava-se uma nova trilogia que sequenciaria a Trilogia Clássica; curiosidade porque qualquer coisa poderia ser feita. Se a segunda trilogia funcionava como prelúdio e, portanto, o limite de sua liberdade encerrava-se quando encostava nos originais; as sequências poderiam ir para onde quisessem.

Ficou claro que o objetivo era alcançar a atmosfera que os três primeiros geraram no imaginário popular de todos os anos subsequentes da cultura pop. Esqueça-se de midi-chlorians ou dez mil Jedi espalhados pela galáxia e, como tudo o que se torna trivial, desromantizados. Conforme anunciavam-se diretor, roteiristas e - sobretudo - elenco, a curiosidade só aumentava. Quando o primeiro teaser foi lançado na Celebration de Anaheim, em 2015, parte do mundo tremeu. Vingadores - Era de Ultron estava prestes a ser lançado, mas só conseguia-se pensar em O Despertar da Força. Han Solo e Chewbacca juntos novamente, Leia, a Millenium Falcon driblando TIE Fighters e os novos (alguns  deles misteriosos) personagens. 

Quando o longa finalmente chegou no clima natalino de 2015, a sensação geral foi de êxtase. Mesmo que o (pouco) tempo tenha logo mostrado o quanto o filme copia Uma Nova Esperança e, assim, diminuído a sua glória; o filme foi uma conquista para os fãs, ao grande público e à Disney. A bilheteria de dois bilhões não deixa ninguém mentir. No mais, a pobreza da trama era muito compensada pela riqueza dos personagens e pela direção. A dupla Rey e Finn (antes de forçarem o trio com Dameron) tinha uma ótima química, bem como a de Finn e Poe. Individualmente também eram todos ricos, proporcionalmente à sua importância na trama. Poe cumpria o seu pequeno papel como rosto da Resistência e pontapé da trama, enriquecido pelo carisma de Oscar Isaac. Finn serviu como um Kylo Katarn muito mais modesto, mas no cânone dos filmes nunca havíamos visto um stormtrooper juntar-se aos mocinhos; e John Boyega entregou. Rey domina as telas, dada a enorme capacidade de Daisy Ridley e  o mistério que a personagem evoca. Kylo Ren, por fim, despe-se da máscara e do mistério ao revelar ser um Skywalker; e Adam Driver entrega tudo o que podia, dado o espaço que lhe foi dado no primeiro longa.


Os três problemas centrais dessa terceira trilogia já estavam todos plantados antes e durante o Episódio VII. Contudo, não podiam ser facilmente enxergados ou imaginados. O primeiro, tentando alcançar uma possível ordem cronológica, talvez seja a obcecada tentativa de copiar/homenagear a Trilogia Clássica. Com isso, todo o status quo dos originais teve de ser trazido de volta, às custas de todas as conquistas da Rebelião. Assim, se os rebeldes derrotaram o Império e instauraram a Nova República, em poucos anos esta foi mais uma vez destruída por uma nova ordem anti-democrática munida por stormtroopers. A solução foi completamente nova: montar uma rebelião chamada Resistência. Se Luke tornou-se o último Jedi e tinha a missão de restaurar a Ordem, esta durou poucos anos, pois os poucos estudantes foram mortos por seu sobrinho. Se ele era a última esperança/o escolhido, o legado foi transferido para Rey às custas do seu próprio.

Esse primeiro empecilho surge antes e durante a realização d’O Despertar da Força, mas fadadamente repete-se nos dois próximos longas, pois a base Resistência x Primeira Ordem já havia sido estabelecida. E, se Rian Johnson podia ter feito alterações no status quo, como revelar que havia Padawans ou Jedi vivos (em Ahch-To, com Luke, ou em outros lugares); não o fez. As originalidades d’Os Últimos Jedi é sempre ressaltada, e não pretende-se aqui questioná-las, mas a estrutura geral do filme em muito se assemelha a O Império Contra-Ataca. A pessoa usuária da Força afasta-se dos amigos para procurar um Mestre Jedi em determinado planeta isolado de tudo. Este inicialmente não deseja treinar, mas logo muda de ideia (mesmo que o “treinamento” do velho Luke fosse sobre como os Jedi devessem acabar). Enquanto isso, os amigos encontram-se em difícil enrascada, pois a ordem anti-democrática vigente os está perseguindo pelo espaço, desde que a base dos rebeldes foi descoberta. Uma revelação sobre o parentesco do futuro salvador da Ordem Jedi é feita pelo vilão do longa. Os amigos só se reúnem ao fim do filme. Esta é uma descrição de O Império Contra-Ataca ou Os Últimos Jedi?

O segundo problema não está na nomeação de Kathleen Kennedy como presidente da LucasFilm, mas no fato de esta não exercer o papel centralizador que Kevin Feige possui frente ao Marvel Studios. É claro que não podemos ter certeza se a maior influência de Kennedy fatidicamente teria dado melhor destino à terceira trilogia, mas ao menos teria feito com que fosse conexa. A não centralização permitiu que Rian Johnson afetasse a trama construída por J. J., que teimou em fazer do nono filme uma continuação do sétimo, e não do oitavo. Essa “briga” entre os dois diretores (publicamente negada) não fica apenas sugerida para quem acompanha os bastidores, pois o contraste entre os filmes beira ao antiprofissionalismo.


Por fim, o terceiro problema está no estilo de J. J. Abrams (chamado Mistery Box) de lançar vários mistérios e deixá-los para serem resolvidos no final da série. A maior consequência negativa disso reside na Rey. No primeiro longa há todo um mistério sobre quem são seus pais, enquanto o segundo simplesmente afirma que não há mistério algum (consequência do segundo problema, mencionado acima). Então, o terceiro longa volta atrás e nos revela o mistério, mas reimaginado para integrar a nova trama criada. Assim, o mistério inicial é negado duas vezes, pois fica claro que a personagem não foi criada para ser quem é mostrada no Episódio IX. Se fosse revelado já no primeiro filme se ela é ou não alguém de família importante, nem mesmo o duelo entre Rian e J. J. seria capaz de afetar a coitada. Nota-se que os dois últimos problemas relacionam-se entre si, um abrindo espaço ao outro.

Muito do que foi decidido por Johnson afetou o planejamento de Abrams. Poe tornou-se um dos três protagonistas, ganhou-se uma coadjuvante importante (Rose), Rey não é de família importante, Luke morreu, Snoke foi assassinado e Kylo Ren é o novo líder da Primeira Ordem. Soma-se a isso a morte de Carrie Fisher, cuja consequência para a saga foi aumentada pela recusa em modificar o Episódio VIII, matando Leia em vez de Luke (Leia no lugar da Holdo, por que não?). Frente a tudo isso, a decisão acertada seria lidar com a situação, em vez de negá-la. O próprio Abrams não quis dirigir o filme do meio, e decidiu retornar para o terceiro, após a demissão de Colin Trevorrow. Ele deveria aceitar o rumo que Johnson trouxe para a trilogia, e saber conciliar o nono filme como uma continuação tanto do sétimo quanto do oitavo, proporcionalmente e igualitariamente. O nível em que J. J. negou Rian chegou a ser maior do que aquele em que o segundo negou o primeiro.

Não obstante, os problemas de A Ascensão Skywalker só começam aí, e tudo seria muito melhor se fossem apenas esses. O filme possui um roteiro estruturalmente pobre, que (assim como Uma Nova Esperança e O Despertar da Força) baseia-se em achar não um MacGuffin, mas - pasmem - três. Mais uma vez a história se limita a achar objeto(s) que revela a localização do planeta em que reside algum personagem importante. A pobreza não se limita a isso, pois muitas resoluções envolveram trazer ainda mais intensivamente elementos da trilogia original (tanto em forma de fan services quanto de reciclagem de personagem) e teorias de fãs (se não se baseou de verdade nessas teorias, ao menos parece muito que o fez). 


A direção está um tanto desinspirada (ao contrário de como J. J. estava no primeiro longa) e a edição sofre completamente pelo fato de o diretor haver tentado realizar dois filmes em um, tamanha a vontade de desconsiderar o oitavo. Os diálogos podem não ser tão ruins quanto os do Ataque dos Clones, mas A Ascensão Skywalker o supera como o pior filme da saga principal (para não termos que falar sobre Solo: Uma História Star Wars). Por fim, todo o legado da chamada Saga Skywalker foi destruído, uma vez que Ben Solo, Luke e Leia morreram, e a descendente de Darth Sidious assumiu o nome da família. Tudo isso, claro, em prol de um final clichê para saga, encerrando-se com o pôr dos dois sóis de Tatooine sendo contemplados por uma “Skywalker”. Teria sido mais fácil fazer com que a Rey fosse da família desde o primeiro filme, não? Ou fazer com que a saga se encerrasse com Ben. Já que optaram por redimi-lo, pelo menos usassem isso; pois o que fizeram foi exatamente igual à morte de Vader, que seguiu a sua redenção.

Talvez a maior verdade a sobreviver ao teste do tempo tenha sido o quão interessante é o Kylo Ren. De início o misterioso personagem encapuzado, com  um sabre que muitos insistiram em questionar; decepcionou aqueles que tiveram preconceito com o rosto de Adam Driver. Em Os Últimos Jedi, foi o maior (e na opinião de muitos o único) acerto de Rian Johnson. Em meio a todo o caos que é A Ascensão Skywalker, o personagem ainda convence, mesmo com decisões de roteiro questionáveis. O seu próprio conceito é o que mais condiz com uma sequência de Star Wars: um descendente Skywalker que cai para o Lado Sombrio, mas de forma distinta da queda de Anakin. Além disso, para os amantes do velho Universo Expandido há o paralelo com o não canônico filho de Han e Leia, Jacen Solo. Este caiu para o Lado Sombrio com o objetivo de salvar a galáxia contra a invasão da raça alienígena de outra galáxia: os Yuuzhan Vong. Além disso, Adam Driver segura muito bem as pontas em meio a toda a turbulência dos três novos filmes. A sua capacidade ainda é confirmada no atual contexto de sua concorrência ao Oscar por História de um Casamento.


O melhor que a Disney (e não deve-se ler isto com preconceito, pois é comum culparem o Mickey pelos erros de diretores e produtores que poderiam tê-los feito em quaisquer outros estúdios) trouxe para Star Wars - cinematograficamente - foi o inesperadamente excelente Rogue One: Uma História Star Wars. Se é para apoiarem-se na Trilogia Clássica, ao menos façam explicitamente, fazendo filmes que se passam no mesmo período. Caso contrário, desvencilhem-se disso; afinal, toda a gama de histórias (excelentes, medianas, ou mesmo ruins) do Universo Expandido foi descartada em prol de rumos que não desapegarem-se de 1977.

Lucas Giesteira

Comentários

  1. Respostas
    1. Rise of Skywalker fará com Star Wars o que Shyamalan fez com Avatar, diminuirá sua importância no imaginário popular e reduzirá uma franquia excelente a um item insignificante relacionado a "bobagens de criança"

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas