Conto: Quando patos e homens são amigos; e o nomimalismo existencial





Ai ai ai ai ai; a completude vem, a completude vai.

Al al al al al; as entranhas doem e a dor atinge o órgão vital.

E Svartanaglar via, logo à frente, uma criatura encantadora.

- Pato pato pato pato, PATINHO.

Pato.

- Qual o problema dele?

- Acho que está com medo.

- Não parece.

- Por isso mesmo.

E corria atrás do prato. Abraço. Abraço apertado. Abraço feliz. Abraço aflito.

- Iva, vem abraçar o patinho.

- Eu não vou abraçar um pato.

- Abraçai o pato, Iva.

- Para de falar assim.

- Abraçá-lo-ei até que acompanhe-me.

- Como sabe falar tão bem português?

- Ócio umbralístico. Ócio ócio ócio ócio ócio óciócióciócio.

- Eu não tô entendendo mais nada.

- Somos dois. Vamos, precisamos ir em frente. 

Ai ai ai ai ai.







- Ou você svarta ou você você naglar.

- O que você está falando?

- Isvurnes naglurnes.

- Não são verbos, pra falar assim, para com isso. 

- Ontem você svarna, hoje eu naglurbo.

- Por que você sempre anda com essa bala dourada na carteira? - Perguntou Iva, quando Miguel abriu a carteira, para pagar mais um ônibus.

- Essa bala é diferente. - Foi tudo o que o anjo tinha a dizer.

"Ok". Também não tinha mais o que perguntar. Como o anjo tinha dinheiro na moeda local foi uma das primeiras coisas que perguntou. O Alto Conselho do Vaticano já sabia há algum tempo sobre a verdade de muito do que acreditavam. Miguel trocou itens e informações por poder aquisitivo, e não teria dificuldade com gastos desde então.

Sentados uma vez mais. E uma vez mais Svartanaglar separado dos outros, mas por escolha da garota. 

- Não acredito que ele trouxe o pato. - Falou, para que o outro ouvisse. E com sucesso.

- O nome dele é Naglurnes!

Olhos em direção ao sol, com o desprezo da lua.

A noite alcançava os corpos de todos, que dormiam sem precisarem de areia.

- Litoral, hm? Cobra morde martelo? Cobra morde. Pica. Martelo venenoso. Veneno elétrico do céu. Amigos. Sim.



9 horas e dezessete minutos do dia seguinte. 

- ONDE ESTÁ O PUTO?

- Calma. Iremos encontrá-lo, sim? Ele não levou nenhum pertence nosso, e não possui nenhuma informação que os outros já não possam ter obtido. O bebê nem está mais lá.

O olhar fuzilante da garota calou-o, e Miguel entendeu. Em seguida, veio a sinceridade do luto.

- Eu estou preocupada com ele. Está instável, avoado, maluco. E levou o pato. Quem fala com um pato?

- E... E se não for só um pato? Você já teve Lúcifer ao seu lado como um gato, não? 

- Sim, antes de Pietro morrer por algum irmão seu.

- Gabriel.

A garota demorou um pouco, distraída com os pensamentos posteriores.

- Sabe, eu cresci gostando do Anjo Gabriel. Acho que qualquer criança de família ou escola católica sabe disso. Anjos, santos... Todos ombros amigos com os quais você não tem nenhum contato, e ainda assim confia cegamente. E agora eu confio mais num lunático xenófobo do que no primeiro anjo de que ouvi falar. O único anjo em que confio virou o John McClane da vida real.

- McClane?

- Depois disso tudo eu baixo pra gente assistir.

- Certo.

Quase como pai e filha com boa amizade, os dois saíram do ônibus, ao chegarem no terminal; e caminharam conversando sobre o que o anjo podia consumir da cultura humana. Mas a boa conversa foi cortada, quando Miguel percebeu que Naglar havia levado algo.



- Patos felinos, patos felizes. Pato de boina?

E o pato miou. Um norueguês travou, arregalou, quase caiu para trás.

- Oh, meu Satanás. Eu te ensinei a falar. Meu pato é um Einstein.

Lágrimas de orgulho brotaram dos olhos escandinavos, como seiva brota da árvore, para mantermo-nos com um pouco de dignidade.

Sentado na área úmida da praia, Svartanaglar entrava em seu miniaturizado estado de nirvana alternativo. Já era madrugada, e a pessoa mais próxima da orla distava de muitos metros. Eram apenas homem e pato quando o chão tremeu e, seguido do susto, avistou-se um corpo boiando nas águas rasas.

- Noskard? NOSKARD! Amig… - Ofegante, correu em direção ao que parecia um cadáver élfico.

Ao tirá-lo da água, alternou-se entre tentativas de respiração boca a boca, compressão torácica, e blasfêmias.

Várias tossidas precederam o levante assutado de um elfo de luz em terras brasileiras. 

- Jor…

- Noskard, não fale. Não agora. Haverá muito tempo para bebermos e conversarmos, amigo.

- Jörmun…

Naglar parou, já havia entendido a mensagem.

- Gandr.

- Pato.

De consciência restaurada e raiva liberada, pegou o pato pelo pescoço, estrangulando a ave sem boina.

- Trouxe seu filho, patinho feio?

Mas o pato cedeu a massa ao formato de um grilo falante e risonho que, por entre as belas mãos do outro, escapou. Sentindo a falta de tempo, Svartanaglar retornou ao elfo, pedindo por respostas.

- Lúcifer tomou seu nome. Foi nomeado líder, e exige ser chamado… Svartanaglar. - Disse um Noskard de fôlego recuperado e preparado para o que viesse.

Markus ficou boquiaberto com literalidade, mas balançou a cabeça, voltando ao mundo real. Não havia tempo para lamentar por nomes, já o fazia há muitas horas, enfeitiçado pelo pato.

- Longryn. Onde está Longryn?

- Morto.

- Gungnir? 

- Destruída, não a vimos mais desde que escapamos daquea lua. A serpente sentiu Mjölnir, e achou que fosse Thor. Desculpe.

- Não. O pai dela me trouxe aqui.

Os céus enfeitaram-se de relâmpagos, mas foram os trovões que ecoaram por todos os arredores, amedrontando pacatos habitantes da região litorânea. 

Quando a água pulou, cada gota fugindo do Kaiju que erguia-se do oceano ao ar; Markus já estava avisado. Pegou agressivamente nas vestes rasgadas do elfo, olhos em seus olhos, e ordenou que fosse embora e se escondesse por lá, até que um anjo e uma mortal viessem investigar. 

A fama de suicida do norueguês era conhecida de qualquer um que permanecesse por mais de cinco minutos ao seu lado. Noskard sabia que não havia como convencê-lo do contrário. Mas, não tão no fundo, sabia que não era exatamente a morte que procurava. Apenas estava preparado para a opção obscura.

A Serpente de Midgard era realmente um Kaiju, honrava o tamanho dos monstros japoneses conhecidos. Mas aquela criatura era escandinava, e já levou muitos marujos a Hel, terra de sua irmã; e Valhalla, para tornarem-se einherjar. Markus podia ser trucidado ou engolido vivo, e linha era tênue. Miguel sorriria ao vê-lo sacando a arma e carregando-a com a bala dourada; mas o anjo não estava ali, e certamente não sorriria.

- Espero que você seja o que estou pensando. - E a beijou.

Quando as espessas escamas colossais da cabeça chegaram muitíssimo perto, o satanista disparou Gungnir, e aproveitou o timing para pular goela abaixo.

When wake up, I already feel the solid weight of depression.
Rose from bed, comes into my mind how uncatchable is love. Invisible like air, but liquid, tho.
And I am afraid to drown, pushed by the solid one.



(But a moment of courage makes me dive)

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