Relançamento de Ultimato e a oportuna reflexão sobre seu legado




No dia 11 de julho chegou o “relançamento” (em muitos lugares o filme ainda não havia saído de cartaz) de Vingadores: Ultimato às terras tupiniquins, seguindo como no dia 28 de junho nos EUA. Antes do início do longa em si temos uma introdução do diretor Anthony Russo (falando por si mesmo e por seu irmão, Joe), avisando ao público para que fique nas salas de cinema após rodarem os créditos. Tratam-se de duas “cenas”, sendo a primeira uma breve homenagem a Stan Lee e todas as suas participações no MCU (não levam em consideração as participações em filmes da Sony e Fox), mostrando momentos de interação com as equipes dos diferentes projetos do Marvel Studios. A segunda é uma cena propriamente dita, que se passaria entre a recusa de Tony Stark em criar uma máquina do tempo e a conversa entre Natasha, Steve e Scott com Bruce Banner, na lanchonete. Após ficarem na mão ao conversarem com Tony, Steve liga para Banner, mas este (agora permanentemente como um Hulk inteligente) estava ocupado salvando uma família de um prédio em chamas – um clichê máximo do gênero, quase como a piada sobre salvar gatos de árvores. O objetivo da cena seria mostrar que o Hulk sofisticado atuava como um herói mais tradicional, algo que o Golias Esmeralda original nunca havia feito nos filmes. Contudo, a sua inclusão entre a cena da casa no lago e a lanchonete resultaria em uma quebra de ritmo, e o efeito surpresa da primeira aparição do novo Hulk (surpresa esta representada na feição do próprio Scott Lang) seria perdido. 

É claro que esses acréscimos do relançamento não acrescentam nada muito relevante ao filme e à experiência do expectador. Soma-se a isso a precariedade do CGI do Hulk na cena do prédio, de forma que a homenagem ao Stan Lee mostra-se muito mais bem-vinda. Contudo, do lado de fora das telas, temos plena consciência do objetivo de que Ultimato ultrapasse Avatar na bilheteria global, assumindo o primeiro lugar (sem o ajuste da inflação, pois com a correção o lugar pertence de longe a ... E o Vento Levou, de 1939). Assim, pode-se compreender a decisão da Disney e do Marvel Studios em tentar bater o recorde de um filme de dez anos atrás, cujo hype foi embora há muito. É justo lembrar que o filme dos Na’vi também foi relançado, na época; e que o longa ficou em cartaz por uns três meses. É certo que há muitas cenas que ficaram de fora do corte de três horas da versão final para os cinemas, mas é de se acreditar que muitas delas foram cortadas por uma boa razão, e nem mesmo o desejo de bater recordes justifica que saiam do túmulo. Revelar cenas que mudam totalmente a percepção do público pretendida pelos responsáveis parece um preço alto a se pagar.


Assim sendo, o maior motivo para que Vingadores: Ultimato seja visto novamente (pela segunda, terceira, quarta, quinta ou mesmo centésima vez) é ele mesmo, em seu corte original dos dias 25 e 26 de abril. Esse espaço de quase três meses foi muito oportuno para que uma ideia amadurecida do filme se instale nas mentes de cada um, e debates em rodas de amigos ou em fóruns de Internet não faltam. E – opiniões específicas à parte – aparece fincada a figura colossal que é não só o quarto filme dos Vingadores, mas o Universo Cinematográfico Marvel em si. Mais uma vez é válido relembrar-nos de Avatar e do hype colossal que envolveu o filme que inovou a forma de se assistir a filmes em 3D mundialmente; mas que não se sustentou em seguida, após a volta do dia-a-dia. Se o mesmo hype tomou conta da franquia de heróis, o MCU (Marvel Cinematic Universe) certamente não o deixa ir embora. Em pouco mais de dois meses martela-se novamente nas cabeças dos expectadores os acontecimentos de Guerra Infinita e Ultimato, em Homem-Aranha: Longe de Casa. Em 2020 seremos levados a rememorar a morte da Viúva Negra, quando chegar o seu filme solo. No fim deste ano será lançado o serviço de streaming Disney +, e com ele virão séries como Falcão e Soldado Invernal, Loki, e Feiticeira Escarlate e Visão. Ontem, no dia 16, a Internet foi inundada com notícias de que Taika Waititi e Chris Hemsworth retornarão para o quarto longa do Deus do Trovão.

A grandeza de Vingadores: Ultimato, portanto, bifurca-se na grandeza de um filme em si e na grandeza de um universo cinematográfico nunca antes criado em toda a história da sétima arte. E o que é preciso deixar claro é que não há problema algum nisso. Não há nenhum tipo de demérito que o primeiro ou segundo maior longa-metragem do século (para evitar entrar na questão da inflação) dependa de outros vinte e um filmes, pois todos são produzidos e idealizados por uma só pessoa: Kevin Feige. Se cada filme, em maior ou menor escala, possui assinatura de seu diretor, o universo é idealizado pela figura de Feige, o presidente do Marvel Studios. Essa culminação (desgastantemente – mas justificadamente – mencionada no último ano e meio) de dez/onze anos do MCU, porém, não é um trunfo simplesmente pelo fator temporal ou quantitativo envolvido, mas sim pela autoconsciência dos responsáveis: sobretudo Feige, os irmãos Russo, e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely. Essa autoconsciência é muito clara pela própria temática de viagem no tempo, em que os heróis (que acompanham quase de maneira metalinguística o expectador) retornam em diferentes momentos chave de filmes passados.



O que se mostrou um trunfo poderia ser, se não a ruína, um fator no mínimo problemático; mas as viagens no tempo não foram usadas meramente como recurso que recorre à memória afetiva do público. Estas serviram fielmente à história, e a maior prova disso é o retorno a Thor - O Mundo Sombrio (2013), um dos filmes mais problemáticos do estúdio. Para os talentosíssimos roteiristas Markus e McFeely essa não era a questão, mas sim a utilidade na busca pelas jóias do infinito. Se o roteiro de Guerra Infinita mostrou um nível de excelência em divisão territorial e temporal entre cada acontecimento; o da continuação revela um enorme carinho pelos personagens e seus arcos. A luta pela restauração do universo está em jogo; mas há tempo para que Tony Stark reveja o seu pai, para que Thor reveja a mãe, ou para que Steve finalmente dance com Peggy (a cena de fechamento do longa, por sinal). São apenas os principais exemplos, mas basicamente todos os protagonistas (resumidamente os personagens que ocuparam os cartazes de divulgação) receberam a devida atenção que não se esperaria de uma obra que se pretende a conclusão grandiosa de uma saga espacial de histórias em quadrinhos de super-heróis.

Se o carinho foi demonstrado pelos roteiristas, os diretores Anthony e Joe Russo o traduzem e replicam com a mesma maestria, fazendo um filme com muita alma, se assim pode-se dizer. O efeito é em cadeia, e o elenco absorve essa energia dos realizadores (até mesmo por ser a despedida de alguns dos astros). E se o roteiro é excelente, a improvisação sempre é bem-vinda, podendo dar origem a memoráveis cenas. A mais icônica é a despedida do Homem de Ferro com a mesma frase que encerrou o seu primeiro longa, em 2008. Inicialmente o estalo de Stark se daria em silêncio, mas conversas nos bastidores resultaram na decisão dos Russo em filmar de última hora as últimas palavras do primogênito.



O Marvel Studios tropeçou algumas vezes, ao escolher diretores, roteiristas e atores com os quais não se deu a química necessária (como os casos de Edward Norton, Louis Leterrier, Alan Taylor, Anna Boden e Ryan Fleck, e o próprio Joss Whedon em Era de Ultron), mas é seguro dizer que os acertos envolvendo James Gunn, Joss Whedon (não nos esqueçamos do primeiro Vingadores), os irmãos Russo e – mais recentemente – Taika Waititi; são não apenas mais intensos, como mais duradouros. Sobre a Trindade da Marvel, “orgulho” seria uma boa palavra representativa. Robert Downey Jr. revolucionou o personagem chato que era o Homem de Ferro e, apesar dos problemas do segundo e do terceiro filme, manteve esse carisma próprio de sua personalidade excêntrica em todas as suas aparições. Chris Evans não é dotado da mesma dose de carisma que RDJ, mas o Capitão América sempre foi um personagem que se sustentou melhor do que o primeiro, e Evans incorporou desde o seu primeiro filme o senso moral que faz de Steve Rogers o maior símbolo de heroísmo da Marvel (em equivalência ao que é o Superman na DC). Chris Hemsworth, por sua vez, teve uma trajetória muito mais heterogênea. O primeiro longa do Deus do Trovão fez jus ao personagem, mas foi prejudicado pelo baixo orçamento dos primeiros anos do MCU e por algumas decisões ingênuas (como clarear a barba e as sobrancelhas do ator). O segundo junta-se a O Incrível Hulk e Homem de Ferro 3 como os filmes mais problemáticos do estúdio; e o Thor de 2013 é o mesmo de 2012 e 2015, dos filmes da equipe: estático, sem desenvolvimento de personagem. Amado por uns, odiado por outros, Thor Ragnarok o reinventou, chacoalhando-o e preparando-o para ser o melhor vingador em Guerra Infinita. Isso deu tão certo, que o personagem será o primeiro do MCU a ganhar um quarto filme.



Agora, com a aquisição da Fox pela Disney, o horizonte mantém-se produtivo, impedindo que o fim da era nomeada “Saga do Infinito” traga águas paradas ao Marvel Studios. Se antes a missão era fazer algo bom com personagens B, C e até mesmo D; agora o objetivo é fazer os antigos personagens A (judiados por estúdios e idealizadores que não trataram os projetos com o já mencionado carinho) voltarem ao seu velho status quo. Se tudo der certo, o futuro da Marvel é possuir uma galeria quase com 100% de personagens A. Se Stan Lee acompanhou boa parte dessa trajetória, é de se lamentar que Jack Kirby não tenha tido a mesma sorte. Contudo, o legado de inúmeros idealizadores está sendo trazido e repaginado a novas gerações e variados públicos; e se bater a saudade da nossa velha Trindade, podemos sempre reencontrá-los nas páginas (mas boa sorte com o Homem de Ferro pré Robert Downey Jr!).



Lucas Giesteira

Comentários

Postagens mais visitadas