Deadpool 2: A Cultura do Fan Service
Piratas do Caribe
foi uma franquia que revolucionou o cinema blockbuster. A conciliação entre
sucesso de público e qualidade/originalidade, contudo, cabe ao primeiro filme.
Fazendo uma comparação grosseira, A
Maldição do Pérola Negra trouxe o mesmo tipo de gosto novo que o primeiro Indiana Jones. O sucesso de público
permeou todas as continuações (até A
Vingança de Salazar, o menos rentável, obteve uma boa bilheteria), mas já
no segundo houve sinais de desgaste na percepção de muitos espectadores. Todos
os acertos inovadores do primeiro foram repetidos e aumentados, até resultar na
saturação que foi o terceiro filme, seguido da frustrada tentativa de renovação
que foi Navegando em Águas Misteriosas.
Além da já citada oposição entre o desgaste e a bilheteria (sempre houve a
curiosidade de saber o que Jack Sparrow faria de novo), a franquia sempre teve
(e tem até hoje) os fieis fãs, como em qualquer uma. Desde aqueles que achavam
cada novo filme algo incrível, até aqueles (eu incluso) que reconheciam todos
os defeitos, mas ainda assim apreciavam.
Ao assistir à continuação de Deadpool, esse foi o cenário que me veio em mente. A produção de
2016 foi inegavelmente inovadora para o gênero cinematográfico de super-heróis,
com a quebra da quarta parede, com piadas envolvendo diversos filmes, muitas
cenas para maiores de 18 anos e muito carisma por parte do protagonista. O
fator inovador implica necessariamente em surpresa, e essa consequência é o que
traduz o sucesso do primeiro filme. Restava à continuação saber repetir na dose
certa o que funcionou há 2 anos, mesclando a novas ideias, para que o fator
surpresa anterior pudesse ser simulado. A decisão, porém, foi repetir de forma
aumentada tudo o que foi feito anteriormente, e aí entramos na já clichê
contraposição do quantitativo x qualitativo. O fato de ser tudo aumentado não
só não traz nada de novo, como também satura mais rapidamente. As piadas feitas
no início desencadearam muito mais risos do que as piadas equivalentes da
metade e do final. Quando tudo é engraçado, a tendência é que nada seja tão
engraçado, com o passar das duas horas. Desta maneira, Deadpool 2 não seria o equivalente ao segundo Piratas do Caribe, mas ao terceiro.
O filme também ressalta (talvez intencionalmente, talvez
não) o grande sintoma do meio “geek” atual: a necessidade de se provar nerd a
todo momento. Quando se compara o nerd que existia desde o século passado até
anos atrás, não havia a necessidade de mostrar para o mundo o seu conhecimento,
pois não era considerado legal. A partir do momento em que esse meio deixou de
ser um nicho para se tornar uma cultura mais ampla, o número de “adeptos”
aumentou e, consequentemente, a necessidade de se provar merecedor (seja lá do
que). Não se trata de um sintoma apenas desse meio, mas de qualquer outro. Todo
adepto de tribos (headbanger, gótica, skatista, futebolística, etc.) e até
meios intelectuais/políticos, como universitários; precisam provar-se a todo
momento. No meio nerd trata-se da cultura da referência, do fan service. Em todos os filmes do
gênero há referências espalhadas, mas Deadpool
2 é aquele constituído majoritariamente disso. É o tipo de obra que tem
como uma das funções fornecer meios para aqueles que gostam de sentir-se mais
conhecedores por entenderem todas (ou a maioria das) citações. Ou para aqueles
que não entendem, mas depois procuram na Internet listas de easter eggs, para depois mostrar
conhecimento no bar.
As melhores piadas do filme, para mim, são exatamente
aquelas que não consistem em referências. São justamente as que exigem mais
criatividade e as que geram os risos mais sinceros. Existem em menor número do
que as referenciais, mas ainda em boa quantidade. Outro mérito são os
acréscimos de bons personagens dos quadrinhos (Cable, Dominó e um não divulgado
em trailers), que aqui exercem bons papeis (funcionam para o que o filme
propõe), apesar de não serem fenomenais. Talvez o maior acerto tenha sido o
aumento da bem utilizada metalinguagem do primeiro. Aqui, além do uso cômico,
exerce a função de desarmar situações toscas e defeitos do filme. Fatores como o
fato de nenhum outro X-Men aparecer (além de Colossus e Negasonic), cenas com CGI
mal trabalhado e falhas de roteiro; são transformados em boas piadas. É a
famosa situação em que a pessoa escorrega e zoa a si mesma, antes que alguém o
faça. O que seria motivo de crítica é revertido em piadas honestas.
Quando envolve reações tão espontâneas, como o riso, o filme
abre margem a uma maior relativização. É mais difícil considerar o que funciona
ou não, pois o campo da opinião individual se faz mais presente (cada um tem o
próprio senso de humor). Nesse sentido Deadpool
2 (assim como o primeiro, mas mais intensamente) não é um filme para todos,
mas se você for o público alvo, sairá tão satisfeito quanto qualquer fã saiu
das sessões dos últimos três Piratas do
Caribe. O fator relativo, contudo, não reduz o valor do que foi pontuado
acima. Quando a maioria das piadas residem em referência a outros filmes; e são
descaradas, pois nem sequer são colocadas dentro de contextos; é inegável que
sejam mais fáceis. Aí entra a função da metalinguagem, em todos os momentos em
que o protagonista tira sarro do roteiro preguiçoso. No mais, é uma boa
oportunidade para um programa de fim de semana.
Melhor do que o filme em si é o seu marketing. Seja no teaser,
em que o personagem está tentando ser pintor; seja no primeiro trailer, em que
brinca de bonecos enquanto finalizam o CGI do braço de Cable. Quando se achava
que não era possível melhorar, foram lançadas edições especiais/limitadas de vários
filmes em blu-ray, todas com Deadpool no lugar dos personagens originais. No
meu caso, as risadas foram muito mais sinceras vendo tudo isto na tela do
celular, do que assistindo ao filme na sala de cinema.
Lucas Giesteira
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