Guerra Infinita deixa a Marvel finita?
Há quase exatos seis anos, um garoto de 16 anos estava no
máximo da empolgação para assistir a Os
Vingadores. Não aguentando mais esperar, começou a mexer na gaveta de
quadrinhos antigos de seu pai e, em vez de escolher alguma história que ainda não
tivesse lido, optou por reler a sua favorita: a de um homem roxo que rouba seis
pedras coloridas e enfrenta a resistência dos campeões da Terra. Chegou o dia
do lançamento do filme e, após a incrível (para a época) experiência, veio a
cena “pós” créditos que introduziu Thanos ao grande público. Estava decretada a
espera por Guerra Infinita.
Se todos os filmes da primeira fase (desde o primeiro Homem
de Ferro até o primeiro Capitão América) visavam preparar terreno para o
primeiro longa da equipe, todo o restante visava chegar ao terceiro e ao
quarto. Isso levou a algumas dificuldades por parte do estúdio para acertar na
qualidade de seus filmes, uma vez que produções como Homem de Ferro 2 e os dois primeiros Thor careciam de qualidade
própria, servindo apenas para apresentar elementos futuros (SHIELD, Loki, Jóia
da Realidade). Não demorou, porém, para que o estúdio aprendesse a fazer filmes
com autonomia e alma próprios e que ao mesmo tempo preparassem terreno para o
futuro (como a maioria, mas com destaque para Guardiões da Galáxia e O
Soldado Invernal).
E aqui chegamos no grande, porém inevitável, clichê: Guerra Infinita é a culminação de todos
os 10 anos de Universo Cinematográfico Marvel. Não a maioria dos 10 anos, todos os 10. Cada filme lançado até
então tem um espaço para ser referenciado neste; e não se trata da referência
pela referência, para o pseudo-intelectualismo nerd, mas sim referências que
fazem a história girar e ter mais peso. Acontecimentos de cada filme aqui
desembocam na foz do rio, ganhando um propósito maior para terem acontecido.
Nos quadrinhos que deram origem ao filme (Desafio Infinito ou Infinity Gauntlet) a motivação do Titã Louco para querer dizimar o
universo nada mais é do que amor, amor pela Morte. Mas não meramente a morte
como o ato a que estamos fadados, e sim a sua personificação. A versão feminina
do Puro Osso de As Terríveis Aventuras de
Billy e Mandy é o amor não correspondido de sua vida, e a dizimação de
metade do universo é o seu preço para dar uma chance a Thanos. Nas telonas o
objetivo é exatamente o mesmo, mas a motivação é um tanto mais sóbria. O Titã é
o Thomas Malthus dos filmes de super-herói, visando manter o controle
populacional do universo para que haja equilíbrio de recursos. Se Malthus
desperta reações das mais opostas, o mesmo não poderia deixar de ocorrer aqui.
A questão é que, concorde ou discorde, Thanos tem um ponto.
Se durante anos a Marvel tinha a fama de explorar rasamente
os seus vilões, nos últimos anos o quadro mudou. Zemo, Abutre, Hela e
Killmonger provaram que o estúdio começou a depositar esforços contra a sua
defasagem, mas é Thanos quem veio para fincar o seu nome na história desse
sub-gênero cinematográfico. E talvez (só o tempo dirá) no próprio Cinema, como
fez Darth Vader. O conjunto de heróis possui mais tempo de tela do que o vilão,
mas é este quem gera maior empatia no decorrer da trama e em sua conclusão.
Se Thanos Malthus rouba as cenas em que aparece, os heróis
têm a sua glória da mesma maneira que no primeiro filme dos Vingadores:
conhecendo-se. Os quadrinhos da empresa sempre foram famosos pelo fato de os
heróis não conseguirem se conhecer sem antes brigar (fisicamente ou
verbalmente), e um dos grandes trunfos da produção de 2012 foi exatamente esse.
Em graus diferentes o mesmo ocorre aqui, provando que mesmo em um filme sobre o
universo em perigo, o grande poder é o da escrita. O mais interessante é que se
esses personagens fossem reais, realmente haveria uma disputa de egos; é o que
acontece quando os seres mais excepcionais se conhecem na situação mais
estressante possível. E a escrita se prova não só nos encontros, mas no desenvolvimento
das relações entre os personagens no decorrer no filme.
Existem momentos (teoricamente simples) que confortam o
coração do leitor de quadrinhos, como o encontro de heróis que vivem na mesma
cidade em função da ameaça presente. Em todos os filmes lançados até então os
heróis encontravam-se porque fora combinado ou planejado (como nos dois
primeiros Vingadores) ou acidentalmente, mas sob circunstâncias mais
específicas (como Hulk e Thor em Ragnarok).
Aqui vemos determinados heróis de Nova York encontrando-se sem querer pelo
simples fato de estarem todos indo enfrentar a súbita ameaça, e talvez esse
seja o elemento mais raiz da obra.
Virou lugar comum para pseudo-intelectuais de efeitos
visuais criticarem o CGI das produções blockbuster, e aqui é difícil ver o
mesmo se repetir. Mesmo sendo um alienígena do tamanho do Hulk e de pele roxa,
Thanos não poderia ser mais humano. As cenas de confronto (seja em larga ou pequena
escala) são dignas de deixar qualquer um boquiaberto, e um determinado herói
com potencial de combate desperdiçado por anos aqui ganha a maior redenção
possível. Mas não só de criaturas e combates é feito o uso do CGI em um filme,
e merecem menção as belíssimas paisagens extraterrestres.
No primeiro longa da equipe a grande dúvida era se Joss
Whedon conseguiria conciliar o tempo e desenvolvimento de todos os heróis na
tela (o que só seria possível graças aos longas solo). Aqui os personagens dos
dois Vingadores e de Guerra Civil já
se conheciam, mas como já mencionado, ainda havia muitos primeiros encontros a
ocorrer, e o número de heróis aumentou exponencialmente nos últimos anos. Assim
como Whedon, os irmãos Russo e os roteiristas Stephen McFeely e Christopher
Markus conseguiram o equilíbrio que o vilão tanto almeja, balanceando a
participação de cada personagem e fazendo com que todos tenham a sua
importância. Cada herói e heroína possuem uma habilidade ou conhecimento que
faz diferença no decorrer dos acontecimentos.
Com o amadurecimento adquirido ao longo de 10 anos, Guerra Infinita é o filme do estúdio com
mais consequências, e em um grau inimaginável até que se assista. Existem as
costumeiras piadas entre os personagens, mas aqui em nada afetam a seriedade da
trama (como ocorreu nos Guardiões e no último Thor). O longa se encerra e é
muito difícil organizar os pensamentos, saber no que pensar primeiro. Certamente
será alvo de discussões (positivas, ao contrário de Batman v Superman) por duradouros meses, até que seja lançada a
continuação de título misterioso. É injusto bater o martelo sem antes
amadurecerem as ideias e o filme assentar-se na memória, mas é difícil não
dizer que este alcançou o seu espaço junto a The Dark Knight no primeiro lugar das adaptações de quadrinhos
super-heróicos para o Cinema. O seu grande defeito talvez seja a dificuldade da
própria Marvel em manter o público interessado em filmes futuros (como ficar
ansioso por Homem Formiga e a Vespa a
partir de agora?).
Lucas Giesteira
Gostei muito da sua crítica, principalmente a parte da relacionar com Malthus, estava procurando alguem que tivesse visto o Thanos dessa forma. Confesso que achei um pouco fraca a lógica dele se basear em uma teoria tão perversa e rasa.
ResponderExcluirOi, Natália! Eu pessoalmente gostei muito do olhar malthusiano do vilão, justamente por existirem pessoas assim na realidade. Não acho que a adaptação literal do amor doentio por uma entidade sombria funcionaria nas telonas.
ExcluirE muito obrigado!
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