O gênero cinematográfico dos super-heróis em 2017
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Todo Jeff Goldblum é pouco |
Desde que comecei a ir ao cinema de forma independente (sem os pais), por volta dos meus quatorze anos, devido ao elevado preço do ingresso; costumo assistir apenas aos “filmes-evento”. Os longas que considero dessa forma são aqueles que, para uma pessoa, pequeno grupo ou até mesmo multidões, são muito aguardados. Um filme-evento pode se enquadrar assim apenas para você ou para o público em geral. Se uma pessoa está há meses aguardando o lançamento de um filme independente lançado em algum festival alternativo, essa obra pode se enquadrar, para ela, nesta definição. Para mim os filmes-evento sempre foram os comuns ao grande público: blockbusters e filmes de Oscar, sendo os primeiros sobretudo filmes de super-heróis.
Este foi o ano em que mais assisti a filmes no cinema*, e o
significado disso é muito maior do que apenas um número, um recorde atingido.
Quanto mais bagagem (envolvendo tanto filmes bons e médios quanto ruins)
adquirida, maior mudança na percepção em relação à zona de conforto de
duradouro ciclo de anos. Em outras palavras, quanto mais você conhece algo,
maior a sua exigência. Dito isto, assistir a mais longas no cinema é apenas a
ponta do iceberg de um processo muito mais amplo, que inicia-se de forma
natural e gradual, através da bagagem adquirida também fora das telonas: em
home vídeo, Internet ou streaming. Paralelamente a esse processo, há também o
desgaste dos filmes de super-heróis, que não deve aqui ser entendido de forma
pejorativa, pois tudo em excesso acaba por perder parte de sua magia.
Assim como em um relacionamento de longos anos deixa-se de enxergar o outro como um ser perfeito, após pelo menos uma década recheada de dezenas de adaptações de quadrinhos de super-heróis, é natural que a exigência aumente e uma visão mais firme surja. Quero dizer que, se há alguns anos o próprio fato de determinados personagens ganharem vida em live-action já era suficiente para a minha completa empolgação, atualmente ela pode até dar-se através de pequenos fatos, mas só perdura quando a obra realmente mostra-se de grande qualidade. E aí surge um tema muito delicado, mas que só gera caos devido a discussões egoístas e sem fundamento. De fato, cada pessoa é possuidora de suas próprias opiniões, mas esse discurso é pai de uma relativização cada vez mais crescente em quaisquer tipos de discussão. O grande problema é que filmes (até certo ponto) podem ser medidos. Não há opiniões que mudem o fato de um filme ser mal dirigido, ou um ator/atriz não haver entregado uma de suas melhores interpretações, uma vez em que há técnicas para isso. Dito isto, o conceito de que cada um possui a sua opinião permanece verdade indiscutível. Se determinado filme, pelas questões técnicas já citadas (e tantas outras, como trilha sonora, edição, roteiro, figurino, fotografia, e mais), for considerado mediano ou ruim, nada impede pessoa alguma de tê-lo adorado. Nada há de errado em se admitir apreciar uma obra duvidosa, todos fazemos isso.
Toda essa linha de raciocínio visa entrar na grande questão
de adaptações de quadrinhos: considerar determinado filme incrível apenas por
ser fiel ao material base ou pior, simplesmente por apresentar determinado(s)
personagem(ns). É completamente comum um fã estar predisposto a apreciar a
adaptação de um personagem que tanto ama, mas como já dito, é saudável que
saiba separar a qualidade da obra de sua satisfação pessoal. Quando se trata
desse gênero cinematográfico há dois tipos de filme: aquele que existe em
relação ao cinema em si; e aquele que existe em relação aos personagens e
fontes adaptados. É importante que cada espectador tenha consciência de qual
dos dois mais preza.
Posso dizer que por muitos anos prezei mais pelo segundo
tipo. Era tudo muito fresco para mim, o simples fato de ver determinados
personagens encarnados nas telonas era encantador por si só, e demorou-se muito
para que isso começasse a mudar. É difícil dizer se a minha mudança para o
primeiro tipo deve-se mais ao excesso de adaptações ao longo dos últimos anos
ou à bagagem adquirida durante os mesmos. O fato é que ver novamente o
Homem-Aranha nas telas não impressiona mais, assim como deparar-me com o Velho
Logan, o universo cósmico da Marvel ou a Liga da Justiça finalmente reunida.
Cada obra deve ter mais a oferecer do que simplesmente seus personagens e os
“fan services”; deve entregar algo completo (ou o mais próximo disso). E,
finalmente chegando ao ponto: 2017 foi um ano muito feliz para os super-heróis.
Após dois filmes solo que foram no máximo medíocres, Logan finalmente redime o personagem. Há
substância no longa, desde a abordagem da trama e aspectos técnicos como um
todo até escolhas que visam chamar atenção do público pelo lado emocional, como
a morte do personagem. Ao contrário do Marvel Studios, que logo de início
provou-se merecedor de um invejável universo cinematográfico, a 20th Century
Fox descobriu-se em seus filmes desconectados com o universo principal dos
X-Men. Atingiram grande sucesso com Deadpool
e Logan, e já planejam novos filmes
com a mesma pegada (apesar de continuar com o universo principal dos mutantes).
Em um longa tão substancial, o seu único defeito é ser o último. Devido ao meu
gosto pessoal, porém, e não à minha visão objetiva, deixei-me afetar menos por Logan do que pelos filmes seguintes,
pois não sou grande admirador do Wolverine. Assumo, porém, que é algo pessoal.
Colocando os seis filmes lado a lado de forma crítica, talvez Logan seja o melhor ou o segundo melhor.
A DC/Warner provaram sere capazes de entender os seus
personagens através de Mulher Maravilha.
Seus dois grandes trunfos consistem na direção (finalmente sem Zack Snyder no
posto) e na falta de vínculo com a narrativa estabelecida desde Homem de Aço. Isso permite a liberdade
de o filme assumir o seu próprio tom, sem querer copiar os da Marvel e ao mesmo
tempo desvinculando-se do peso de Batman
v Superman. Aí a figura de Gal Gadot entra como a luva ideal, combinando
com o tom leve, mas que se leva a sério, escolhido por Patty Jenkins. Não se
trata de um dos filmes mais memoráveis do gênero, e não acredito que mereça
concorrer ao Oscar (como o estúdio tanto propaga), mas cumpre o seu papel na
mesma medida que os bons do Marvel Studios. É lugar comum afirmar que se trata
de um filme de suma importância para as super-heroínas, então limito-me a
compará-lo de igual para igual com o restante dos longas de super-heróis (como
a amazona gostaria que fosse feito).
O Marvel Studios acertou em cheio com Guardiões da Galáxia Vol. 2 e Homem-Aranha:
De Volta ao Lar (este em parceria com a Sony). Sobre o primeiro apenas é
preciso dizer que honra muito bem o seu predecessor, apesar de não alcançá-lo
ou superá-lo. Quando se realiza uma obra memorável e inovadora (o primeiro
Guardiões pode não ser inovador para o cinema, mas o é para o gênero), a sua
continuação só pode manter-se igual ou superior se encontrar uma maneira de ser
igualmente inovadora. Infelizmente o segundo filme mantém (ou aumenta) tudo o
que deu certo no primeiro, mas não faz mais do que isso; e o resultado é um
ótimo (e ainda memorável) filme, mas ainda abaixo do original de James Gunn. Já
o milésimo filme do Cabeça de Teia tem o seu maior mérito exatamente no fato de
se mostrar interessante mesmo após as duas versões anteriores (sendo a primeira
bem e a segunda muito mal sucedida). A escolha de elenco é muito acertada, mas
a chave de ouro está na escolha do próprio protagonista, que esbanja carisma e
retrata tanto o Aranha quanto o Parker de maneira nova. Pela primeira vez desde
o primeiro Homem de Ferro, o novo
filme apresenta o melhor vilão do estúdio até então, interpretado por Michael
Keaton (que por ironia do destino protagonizou Birdman). Contudo, o filme não entra a fundo em nenhuma questão, e
acaba não perdurando na memória do espectador, deixando o posto de melhor
abordagem do aracnídeo para os dois primeiros filmes com Tobey Maguire.
Abandonarei a ordem parcialmente cronológica usada até aqui
para tratar de Liga da Justiça. A
esta altura fica cada vez mais claro para mim que é impossível falar sobre os
filmes da DC de forma imparcial e crítica sem que fãs acéfalos surtam como o
Lex Luthor. Assim sendo, não importa o quanto o estúdio falhe com a DC, pois o
seu maior problema são os fãs (específicos, não todos). Como já foi dito, não
há problema algum em se apreciar o filme por amor aos personagens e quadrinhos
originais. O grande perigo está no ataque (muitas vezes agressivo) a quaisquer
pessoas (inclusive a críticos de cinema profissionais) que enxerguem o
longa-metragem apenas como mais um filme, e portanto sujeito a críticas objetivas
e imparciais. O que mais fere esses fãs é o fato de, em se tratando da DC,
críticas imparciais são quase sinônimo de críticas negativas, uma vez que o
estúdio é incapaz de realizar obras realmente memoráveis e de qualidade. Dito
isto, Liga da Justiça é um bom (não
muito bom, ótimo, excelente, incrível) filme, que finalmente dá um rumo ao tão
atrapalhado “Universo Extendido” dos cinemas, mas esquecível, raso, vazio.
Trata-se do tipo de filme que empolga mais pelo seu conceito do que pela
realização do mesmo, ficando menos bem visto a cada dia. Para ser justo, (e
apesar de achar o primeiro ótimo e o segundo bem bacana) até mesmo os dois
filmes dos Vingadores perdem o seu peso com o passar dos anos, uma vez que o
fato de os heróis se reunirem deixa de ser uma novidade. O grande ponto
positivo de Liga é que ao menos abre
espaço para um universo mais coeso, e finalmente acerta na figura quase
messiânica do Superman. É um filme muito menos corajoso do que Batman V Superman (que tanto me
incomoda), e talvez inferior a este, mas ao menos não ofende, cumpre o seu
propósito nada ambicioso.
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A maior contribuição do filme é pelos bigodes |
Deixei Thor Ragnarok
por fim, pois é o meu filme predileto do ano, tanto em relação ao gênero quanto
em relação ao cinema em geral (neste caso, empatado com It). Se por um lado mantém-se dentro da chamada “fórmula Marvel” de
comédia, é corajoso ao elevá-la a outro patamar, talvez até mesmo tratando-a de
forma irônica. Se um clichê é usado de forma intencional e propositalmente
multiplicado, perde em grande quantidade ou até mesmo completamente o estatuto
de clichê. É exatamente por este motivo que Ragnarok
é um filme divisivo (definitivamente não na mesma escala, mas relacionável),
assim como Batman v Superman. Se em
2008, filho de seu tempo, The Dark Knight
tem parte de sua genialidade em entender o gênero como capaz de gerar um filme
tão sério e excelente quanto qualquer outro, Thor Ragnarok e o primeiro Guardiões
da Galáxia têm a sua genialidade em entender como o gênero funciona
atualmente, pois o mesmo consiste em constantes construções, reconstruções e
desconstruções. Cabe a cada filme decidir se quer enquadrar-se em seu tempo ou
afrontá-lo, sujeito nesta segunda opção a sofrer maior queda (como aconteceu
com BvS, que se houvesse acertado,
seria uma das maiores adaptações do gênero já feitas). O último filme da
péssima trilogia de Thor opta por enquadrar-se em seu tempo, mas ironizando-o,
elevando ao último grau todos os seus clichês e contradições, e uma vez
consciente disso, não prejudica-se. Trata-se de um filme que está na zona de
conforto sem estar na zona de conforto, que é corajoso sem ser corajoso, e
talvez o seu maior trunfo seja entender que a grande maioria dos super-heróis
não precisa de mais do que isso. E talvez todas essas características funcionem
como metáfora do que foi 2017 para o gênero: não foi um ano com as obras mais
geniais e originais, mas consiste em um dos melhores anos, pois cada filme
parece haver entendido o seu propósito (com exceção de um, mas que ao menos não
ofende), formando um belíssimo mosaico.
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A única vilã do MCU já humilha todos os outros |
*Queria agradecer ao meu amigo Myicahel por isso.
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