Vícios do gênero Terror
Você, que defende minorias (fazendo parte ou não), está
acostumado a criticar o modo como as pessoas são “quadradas”. O mesmo ocorre no
Cinema, quando se trata de classificar o gênero dos filmes. Contudo, este caso
é defensável, pois a classificação por gênero foi feita para facilitar a
escolha do expectador sobre a qual filme assistir. Dezenas e dezenas de gêneros
não só dificultariam a vida do público, como tornariam completamente
desnecessário esse critério.
A “quadradice” está no público, que parece ter esquecido (ou
talvez nunca aprendido) que a função das categorias é meramente situar o
expectador, e não ditar exatamente como o filme deve ser. Ou seja, uma história definida como Comédia não precisa (e
nem deveria) ser como o senso comum diz que deve ser uma comédia. As categorias
são poucas, mas a criatividade é infinita, e daí resulta a necessidade de
enquadrar o filme no gênero mais próximo. Quando a obra foge muito do padrão
que supostamente deveria seguir, é comum uma grande parcela do público
criticá-la. Por mais que isso ocorra com os filmes em geral, notei que o
principal alvo é o gênero Terror.
Não sou um grande entusiasta de filmes de terror, e nem
desejo aqui falar muito sobre eles em si, mas sim sobre como o público vê o
tema. Falarei sobre o que pensei após ler e ouvir muitas das reações a It – A Coisa, e em seguida o espaço fica
livre para você pensar em outros exemplos.
It é claramente
uma história de terror, em sua própria definição por parte de Stephen King, portanto
não cabe a nós desconstruir essa ideia, mas sim nos questionarmos sobre o que
seria o gênero Terror. A história (tanto do livro quanto do filme) se
enquadraria em Ação, Aventura, Comédia, Ficção Científica, Animação, Musical,
Erótico, ou Documentário? Se a trama consiste em um palhaço demoníaco que
devora crianças de 27 em 27 anos, o gênero é Terror (e Drama, pela forma como a história se dá), certo? A questão é, você
precisa sentir-se completamente apavorado para que o filme de terror seja
considerado bom? A função de toda história é encantar de alguma forma o
expectador, e no meio desse encantamento gerar sensações específicas (risadas,
medo, esperança, tristeza, nostalgia, adrenalina). Em um filme de ação haverá
um enfoque maior na ação, mas a obra despertará em você risadas, tristeza ou
medo; por exemplo. A menos que você esteja assistindo a Transformers; neste
caso será só a ação, mesmo, até o seu cérebro explodir.
A grande questão é que cada pessoa é muito particular, e
tende a ter muito mais medo de determinadas coisas em detrimento de outras. Uns
têm pavor de palhaços, outros de espíritos, outros de psicopatas (Jason
Voorhees, Michael Myers). Neste caso, se uma pessoa que não possui medo de
espíritos assiste a um filme focado nisso, tudo o que a obra pode oferecer é
uma boa história, bom roteiro, boas atuações, efeitos, fotografia, e mais. E
aqui está o ponto central: o gênero Terror é um dos mais baratos, e os estúdios
fazem um esforço para que os filmes sejam mais baratos ainda. E disso decorrem
muitas vezes atores medianos/ruins, roteiros preguiçosos e efeitos toscos.
Então o público, que já está acostumado a ser quadrado, foca ainda mais na
necessidade de ter medo constantemente, já que não está assistindo ao filme
para apreciar uma boa obra. Se a maioria dos filmes de terror fossem realmente
bons em si, não precisariam tentar assustar constantemente.
O maior problema é que as pessoas não costumam parar para
refletir: “costumo exigir que o filme de terror me deixe com medo
constantemente porque a maioria deles é ruim, e tudo o que resta é o medo”. Em
vez disso elas passam a acreditar que o medo intenso e constante é uma
característica intrínseca a todo e qualquer filme de terror, deixando de pensar
na possível vastidão do gênero. Quando Stephen King definiu que It é uma obra de terror, foi porque esse
é o único gênero que faz sentido para a sua criação, mas não quer dizer que o
medo em excesso deva funcionar para quaisquer pessoas que leiam o livro ou
assistam ao filme. E aqui chegamos ao ponto: se você sentiu pouco ou nenhum
medo ao ver A Coisa, tudo bem, o
filme continua sendo muito bem realizado, e a experiência continua valendo a
pena. Antes de um filme de terror, trata-se de um filme, e todo aquele que se
leve a sério (pois há os que são propositalmente ruins) tem o intuito de ser
bom e acrescentar algo para o expectador.
Se há um enorme vício nos filmes de terror (talvez mais do
que nos outros gêneros), cabe ao público saber refletir sobre o que está
assistindo. Sempre há aquele filme como Annabelle
2 (para usar um exemplo atual), que tem como único objetivo assustar o
expectador o tempo todo, utilizando clichês do gênero. O público não pode
entrar na sala de cinema de It tendo
em mente ver um filme como Annabele.
Ao contrário do segundo, o primeiro fala sobre bullying/preconceito, sobre
relações entre pré-adolescentes/adolescentes, abusos por parte dos pais,
dinâmica de cidade pequena, entre outros temas; em meio a vários momentos
engraçados e de sustos/medo (para aqueles que achem graça no que o filme se
propõe a ser engraçado, e para aqueles que tenham medo do que o filme
igualmente se propõe).
Se já está se tornando cada vez mais comum afirmar-se que os
filmes de super-herói (no caso, um subgênero) seguem uma mesma fórmula, o caso
dos filmes de terror é muito mais antigo e intenso, e o público começa a
esquecer (ou nunca aprender) o que é de fato o terror, ou a classificação de
uma obra em si.
Lucas Giesteira
Lucas Giesteira
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